1990 - GUERREIROS DO BRONX (1982) - CLÁSSICOS CINEMA EM CASA
CLÁSSICO DO "CINEMA EM CASA" DO SBT
FICHA TÉCNICA
1990 - I Guerrieri del Bronx/1990 - Bronx Warriors
(1982, Itália)
Direção: Enzo G. Castellari
Elenco: Mark Gregory (Marco di Gregorio), Vic
Morrow, Christopher Connelly, Fred Williamson,
Stefania Girolami, Joshua Sinclair, Massimo
Vanni e George Eastman.
LEIA-ME
Nem Sam Peckinpah, nem John Woo: o filme que me apresentou ao terrível
estrago provocado no corpo humano por um tirambaço em câmera lenta foi o
trash italiano 1990 - OS GUERREIROS DO BRONX, de Enzo G. Castellari!
Eu tinha lá meus 10 ou 11 anos de idade e adorei "Fuga de Nova York", que o SBT havia exibido alguns dias antes "pela primeira vez na televisão". Então, fui na videolocadora da minha cidade e pedi para a balconista algum filme que fosse parecido com "Fuga de Nova York". E ela me sugeriu 1990 - OS GUERREIROS DO BRONX. Até os primeiros 20 minutos de filme, tudo estava tranqüilo. Mas foi então que Hammer, o personagem interpretado pelo saudoso Vic Morrow, disparou dois tiros de espingarda em slow-motion num cara e numa mulher desarmados.
Eu tinha lá meus 10 ou 11 anos de idade e adorei "Fuga de Nova York", que o SBT havia exibido alguns dias antes "pela primeira vez na televisão". Então, fui na videolocadora da minha cidade e pedi para a balconista algum filme que fosse parecido com "Fuga de Nova York". E ela me sugeriu 1990 - OS GUERREIROS DO BRONX. Até os primeiros 20 minutos de filme, tudo estava tranqüilo. Mas foi então que Hammer, o personagem interpretado pelo saudoso Vic Morrow, disparou dois tiros de espingarda em slow-motion num cara e numa mulher desarmados.
O resultado é uma explosão de roupa e sangue no peito das vítimas, mostrada em câmera lentíssima, que impressionou este pobre pivete a ponto de esquecer completamente de qualquer outra cena do filme, mas lembrar até hoje, com riqueza de detalhes, daqueles estilhaços ensangüentados voando lentamente pelo ar... Descontando o detalhe de ter tirado meu cabaço no quesito violência estilizada, o filme de Castellari nunca esteve entre meus preferidos: gosto muito mais da sua seqüência, "Fuga do Bronx", que é ainda mais violenta e absurda que o original. Há algum tempo eu revi 1990 - OS GUERREIROS DO BRONX numa versão melhor, ripada de DVD e em widescreen, e me surpreendi com coisas que eu nem lembrava (será que foram cortadas da nossa antiga versão em VHS?). Continuo preferindo a Parte 2, mas já vejo este original com outros olhos: como um divertido filme de ação repleto de cenas, personagens e detalhes cômicos, no estilo "divertido de tão ruim".
Escrito por Dardano Sacchetti, Elisa Briganti e pelo próprio diretor
Castellari, o roteiro desta divertidíssima tralha é "Fuga de Nova York" e
"Warriors - Os Selvagens da Noite", de Walter Hill, batidos no
liquidificador com uma pitada de "Laranja Mecânica". Do
primeiro, a aventura italiana roubou a ambientação: ao contrário de Nova
York inteira se tornar um presídio de segurança máxima, como no filme
de John Carpenter, aqui é o bairro nova-iorquino do Bronx que se
transforma numa "terra de ninguém", comandada pelas gangues e abandonada
pela polícia, no então distante ano de 1990, que era futuro na época
(lembre-se que a produção é de 1982). Já "Warriors" inspirou os
personagens principais: coloridas e violentas gangues com figurinos
berrantes e nomes tipo Riders, Tigers e Zombies. Só que os italianos
exageraram na caracterização. Seus delinqüentes são tão exóticos e
excêntricos quanto os de "Laranja Mecânica", e parecem mais figurantes
de algum musical da Broadway do que bandidos sanguinários!
Seu nome: Trash - interpretado pelo inesquecível, de tão ruim, Mark
Gregory, ou Marco di Gregorio, que sumiu da face da terra após
interpretar Trash e o índio Thunder na trilogia "Thunder - Um Homem
Chamado Trovão". O filme começa com Ann (Stefania Girolami, filha
de Castellari), uma jovem burguesa, fugindo da parte "rica" de Nova
York para o desolado Bronx, onde cai nas garras dos terríveis Zombies.
Por sorte, aparecem bem na hora os heróicos Riders, que despacham a
quadrilha rival com violência (incluindo rosto cortado pelas lâminas na
roda da frente de uma das motocicletas!!!). O líder Trash
apaixona-se por Ann e, ao perceber que ela foge de algum problema
terrível, convida-a para ficar com ele no quartel-general da gangue.
"Romeu e Julieta" versão pós-apocalíptica italiana? É mais ou menos por
aí...
O tal problema de que Ann foge é um pouquinho mais complicado do que
Trash pensa: ela é filha do presidente da Manhattan Corporation,
megacorporação que, além de fabricar e vender armas para conflitos ao
redor do globo, também é responsável por controlar Nova York - uma
espécie de OCP, a multinacional que controla Detroit na série "Robocop".
Como é herdeira da maquiavélica empresa, está para completar 18
anos e vai ter que assumir a cadeira de presidente, Ann resolveu fugir
do seu destino e se esconder no Bronx. Afinal, nada melhor para resolver
um problema do que correr para uma "terra de ninguém" sem polícia e
repleta de bandidos sujos e sanguinários, ainda mais quando você é uma
burguesinha bonitinha, não é verdade? Só que os figurões que
controlam a Manhattan Corporation querem Ann de volta - eles pretendem
usar a moça como fantoche assim que ela assumir o controle da empresa.
Seu poderoso tio, Samuel Fisher (Ennio Girolami, irmão do diretor,
assinando com o pseudônimo Thomas Moore), descobre que ela está
escondida no Bronx, e contrata um violento agente chamado Hammer
(Morrow, em seu último filme antes de ser decapitado em acidente de
helicóptero no set de "No Limite da Realidade") para resgatá-la.O
caldo engrossa porque Hammer é um psicopata. Seu plano é exterminar
todas as gangues do Bronx, fazendo-as lutas umas com as outras, e Ann
que se exploda no meio deste inferno. Facilmente manipuladas
pelo vilão através de pistas falsas que jogam um grupo contra o outro,
as quadrilhas se preparam para uma guerra iminente, e somente Trash
percebe que a história está mal contada. Ele então tenta se aliar aos
rivais ao invés de destruí-los. Porém, até que a situação se resolva,
muito sangue vai rolar.
O espectador antenado vai perceber que, de original, 1990 - OS GUERREIROS DO BRONX
não tem absolutamente nada: além de chupar "Fuga de Nova York" e
"Warriors" em iguais proporções, a trama básica deste bem-sucedido filme
de ação italiano bebe muito da fonte de "Por um Punhado de Dólares", de
Sergio Leone (e conseqüentemente do anterior "Yojimbo", de Akira
Kurosawa, que inspirou Leone). Como nestes dois clássicos, um
personagem (neste caso, Hammer) se infiltra entre gangues rivais para
semear a discórdia e levá-las a uma guerra mortal. O toque inovador (e
politicamente incorreto) é que nas obras de Leone e Kurosawa o membro
infiltrado era o herói da história, e na versão de Castellari é o vilão,
enquanto as quadrilhas de delinqüentes ficam com o papel principal.
As cenas foram gravadas no Bronx, quando parte do elenco italiano viajou
para os Estados Unidos, e em Roma, quando alguns dos atores
norte-americanos fizeram o caminho inverso. O engraçado é que, nas cenas
filmadas no Bronx, Castellari utilizou vários membros de um grupo de
Hell's Angels como figurantes da gangue de Trash. Já nas cenas rodadas
na Itália, a gangue diminui para meia-dúzia de pessoas, porque os Hell's
Angels ficaram todos nos Estados Unidos! Uma atração à
parte é o elenco fantástico, repleto de caras conhecidas do cinema
classe B norte-americano e das picaretagens italianas da época. Além de
todos os já citados, também aparecem o saudoso Christopher Connelly ("Os
Caçadores de Atlântida", "Manhattan Baby"), como o caminhoneiro Hot
Dog, que ajuda Hammer a se infiltrar no Bronx; Fred Williamson (astro
blackspoitation dos anos 70, que havia trabalhado com Castellari em
"Assalto ao Trem Blindado") como Ogre, o chefe da gangue dos Tigers;
Joshua Sinclar (vilão em diversos filmes de Enzo) como Ice, membro da
gangue de Trash que se revela um traidor; Massimo Vanni (outra figurinha
carimbada dos filmes de Castellari) como Blade, o melhor amigo do
herói; George Eastman ("Antropophagus") como Golan, o líder dos Zombies;
e o próprio diretor Castellari como o vice-presidente da Manhattan
Corporation. O filme está repleto de momentos impagáveis, como o "climão" que rola
entre Trash e seu amigo Blade quando este é encontrado à beira da morte,
após ser atacado e torturado pelos tais mutantes subterrâneos. Além de
verter lágrimas de tristeza, nosso herói faz afagos no cabelo do
companheiro (cafuné, em outras palavras!) e ainda põe a cabeça dele
encostada no seu ombro, no estilo "encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora...". De se mijar de rir! Já
os nomes dos personagens são outro toque hilário da película: parece
que os roteiristas abriram um dicionário de inglês e foram copiando
palavras curtas que soassem sonoras. Só isso explica o fato de heróis e
vilões usarem nomes como Trash (lixo), Hammer (martelo), Ogre (ogro),
Ice (gelo), Hot Dog (cachorro-quente), Blade (lâmina), Hawk (águia) e
Leech (sanguessuga).
Comparando com a seqüência "Fuga do Bronx" (que foi feita já no ano
seguinte, 1983, e tem pouca ou nenhuma conexão com o original), 1990 - OS GUERREIROS DO BRONX tem
menos ação, já que a continuação é nitroglicerina pura, com uma das
maiores contagens de cadáveres da história do cinema de ação. Não
que este primeiro filme negue fogo: a contagem de cadáveres é reduzida,
mas há uma grande quantidade de lutas e tiros para agradar aos fãs de
Castellari, embora ele desta vez economize na sua marca registrada, as
cenas em câmera lenta. Um problema sério do filme é que, por
algum misterioso e inexplicável motivo, as gangues do Bronx NÃO USAM
ARMAS DE FOGO, apenas porretes e bastões, o que limita bastante as cenas
de violência - e facilita o trabalho de Hammer e seus homens, usando
espingardas, revólveres e até lança-chamas!
Mas a conclusão é o esperado banho de sangue, que parece uma espécie de
preparação do diretor para "Fuga do Bronx": Hammer invade o Bronx com
incontáveis policiais a cavalo, usando metralhadoras de grosso calibre e
lança-chamas para eliminar a "escória" do bairro. Aí é um Deus nos
acuda, e 99% dos personagens perdem a vida. Exagerado e
implacável, Vic Morrow praticamente rouba o filme como Hammer graças ao
seu olhar frio e à falta de consideração com suas "vítimas", ao ponto de
atirar em pessoas desarmadas e comandar uma chacina de gangues usando
lança-chamas! O vilão parece ter encarnado Hitler na conclusão,
gritando ordens entre risadas insanas de "vilão de 007", e tem um
diálogo belíssimo com Christopher Connelly. Quando este comenta que
Hammer está "brincando com fogo", o vilão responde: "I know. And I love it. I love it!".
Tirando o impacto daqueles dois tiros de espingarda que Hammer dispara
em câmera lenta em vítimas desarmadas e indefesas, que me marcaram desde
minha tenra idade, 1990 - OS GUERREIROS DO BRONX continua um filme tão divertido quanto esquecível, embora pareça hoje um pouco melhor do que na primeira vez que o vi. Se
não chega aos pés de outras pérolas que o artesão Castellari fez na
mesma época - e que continuam injustamente desconhecidas neste nosso
Brasil pós-VHS -, pelo menos é uma verdadeira aula de como fazer muito
com pouco, uma especialidade dos realizadores italianos dos anos 70-80. E
qualquer filme onde Fred Williamson saia na porrada com o gigantesco
George Eastman (aqui vestido como samurai estilizado, com rabo-de-cavalo
e tudo mais) já é um programa obrigatório para fãs de "cinema
alternativo".