O QUE É A GERAÇÃO BEAT?
De forma resumida, a Geração Beat surgiu nos anos 50 como uma reação de intelectuais literários ao modelo de ordem estabelecido nos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Com o objetivo de se expressarem livremente e contarem sua visão do mundo e suas histórias, esses escritores começaram a produzir desenfreadamente, muitas vezes movidos a drogas, álcool, sexo livre e jazz – o gênero musical que mais inspirou os beats. Mais do que escrever, esse grupo de amigos tinha interesse em estar sempre junto, compondo, viajando, bebendo e, por vezes, transando em grupo.
O autor Jack Kerouac introduziu a frase "Geração Beat" em 1948, generalizada do seu círculo social para caracterizar o submundo de juventude anti-conformista, reunida em Nova Iorque naquele tempo. O nome surgiu numa conversa com o novelista John Clellon Holmes (que publicou um romance sobre a Geração Beat, Go, em 1952), junto com um manifesto no The New York Times: "This Is the Beat Generation". Em 1954, Nolan Miller o seu terceiro romance, Why I Am So Beat, relatando as festas de fim-de-semana de quatro estudantes.
O adjetivo "beat" foi introduzido ao grupo por Herbert Huncke, embora Kerouac tenha expandido o significado do termo. "Beat" fazia parte do calão do submundo – o mundo dos vigaristas, toxicodependentes e pequenos ladrões, onde Ginsberg e Kerouac procuraram inspiração. Beat era o calão para "beaten down" ou "downtrodden", ambas expressões que podem significar oprimido, rebaixado, espezinhado. Mas para Kerouac, tinha uma conotação espiritual. Outros adjetivos discutidos por Holmes e Kerouac foram "found" (encontrado, achado) e "furtive" (furtivo). Kerouac alegou que ele tinha identificado (e incorporado) uma nova tendência análoga à influente Geração Perdida.
BEATNICK
A palavra "beatnik" foi inscrita por Herb Caen num artigo no San Francisco Chronicle a 2 de Abril de 1958. Caen cunhou o termo juntando-lhe o sufixo russo -nik depois de Sputnik 1, para a Geração Beat. A coluna de Caen surgiu com a palavra seis meses depois do Sputnik. Pode ter sido a intenção de Caen caracterizar os membros da Geração Beat como não-americanos. Opondo-se à distorção do termo por parte de Caen, Allen Ginsberg escreveu para o New York Times a lamentar "a obscena palavra beatnik," comentando, "Se os beatniks e poetas Beat não iluminados infestarem este país, eles não terão sido criados por Kerouac mas pela indústria da comunicação em massa que continua fazer lavagens cerebrais ao homem."
INFOGRÁFICO BÁSICO
O beat chegou a outras formas de arte, mas com menos impacto. Na literatura, durou entre 1944 e 1959
As características do movimento:
Intensidade em tudo: no estilo narrativo, nos temas, nos personagens; Escrita compulsiva; Fluxo de pensamento desordenado, por vezes caótico; Linguagem informal, cheia de gírias e palavrões, ou com o chamado “hip talk” (um vocabulário típico do submundo marginal da cidade de Nova York); Grande valorização da transmissão oral; Apoio à igualdade étnica, à miscigenação e às trocas culturais entre raças
JACK KEROUAC (1922-1969)
Principal obra: On the Road (1957)
Seu mais importante livro, que viria a se tornar a “Bíblia hippie”, fala sobre sua viagem de sete anos cruzando os EUA, com descidas frequentes ao México. Kerouac o redigiu em apenas três semanas, com uma máquina de escrever e dois rolos de papel (para não ter de parar para colocar novas folhas na máquina). Seu “estilo-avalanche”, sem preocupação com pontuação e parágrafo, foi estimulado pelo uso de benzedrina, um tipo de anfetamina.
ALLEN GINSBERG (1926-1997)
Principal obra: Uivo e Outros Poemas (1955-1956)
Ideólogo, pensador e agitador do movimento, foi também o responsável pela chamada “extensão” do beat às gerações futuras. Diz-se até que foram seus cabelos compridos, sua barba e suas batas coloridas (adquiridas em uma viagem à Índia) que teriam inspirado o típico visual dos hippies. Para compor suas poesias, provou todo tipo de droga (até distribuiu LSD nas ruas!), mas depois “viciou-se” em ioga e meditação.
Principal obra: Almoço Nu (1959)
Foi o que mais sofreu com as drogas – passou por várias reabilitações e tratamentos. Em uma viagem ao México, tentou acertar um tiro em um copo equilibrado sobre a cabeça de sua mulher, Joan Vollmer, mas acabou matando-a.
Veio à América do Sul estudar o alucinógeno vegetal ayahuasca e também iniciou (mas não completou) vários manuscritos sobre a homossexualidade
LAWRENCE FERLINGHETTI (1919-)
Principal obra: Um Parque de Diversões da Cabeça (1958)
É o maior expoente vivo do beat, talvez por nunca ter levado o mesmo estilo de vida desenfreado que os outros. Sem sua coragem, nunca conheceríamos as loucuras de seus colegas: sua editora, a City Lights, publicou as principais obras do movimento.
Algumas lhe deram muita dor de cabeça – ele chegou a ser preso após lançar Uivo, acusado de obscenidade.
GREGORY CORSO (1930-2001)
Principal obra: Bomb (1960)
Abandonado pela mãe ainda recém-nascido, passou por vários lares adotivos e orfanatos até ser preso, na adolescência, por furto. Na cadeia, tornou-se autodidata e descobriu a literatura. Foi o mais jovem dos beats e, assim como seu amigo Ginsberg, que o introduziu ao grupo, tornou-se poeta. Revoltado e insubordinado, também chegou a ser internado em um hospício mais de uma vez
.e como ficou:
Onde você encontra a influência deles:
- Nos movimentos estudantis e na onda hippie dos anos 60, que herdaram causas como a ecologia e o amor livre;
- Na liberação feminista e no movimento homossexual, em parte consequências da luta dos beats pela liberdade sexual;
- Em canções de Bob Dylan e Jim Morrison e em filmes de Wim Wenders e Jim Jarmusch;
- No punk rock, considerado uma retomada do espírito beat por sua verve selvagem, espontânea e contestatória
“Beatnik” não é um sinônimo, mas um termo depreciativo criado pela mídia da época para designar jovens que copiavam o estilo beat
Para saber mais: As histórias mais loucas de Kerouac e sua turma foram adaptadas por grandes quadrinistas na graphic novel "Os Beats", lançada em 2010.
NO CINEMA
O papel do personagem Maynard G. Krebs, desempenhado na TV por Bob Denver em The Many Loves of Dobie Gillis (1959-63), solidificou o estereotipo beatnik, em contraste com a imagem rebelde e ligada ao movimento beat, apresentada por populares atores de cinema na década de 50, principalmente Marlon Brando e James Dean.
Stanley Donen trouxe o tema para o gênero musical no filme em "Cinderela em Paris" (1957) com um desempenho marcante de Audrey Hepburn.
A Noite dos Malditos (The Beat Generation - 1959) fez uma associação do movimento com o crime e a violência, como fez Os Beatniks (1960). A noção de violência e criminalidade possivelmente surgiu porque foras-da-lei violentos e criminosos eram popularmente retratados a usar a mesma linguagem nos seus discursos, e esta distorção também pode ser vista em populares programas de TV, no que diz respeito a hippies, uns anos mais tarde.
O filme de 1961 de Tony Hancock, The Rebel, é sobre um funcionário de um escritório em Londres, que se muda para Paris, porque aspirava ser um artista da Geração Beat; o filme satiriza pseudo-intelectuais.
O personagem Cool Cat, dos desenhos animados Looney Tunes, é frequentemente caracterizado como um beatnik, tal como o galo na curta de Foghorn Leghorn, Banty Raid, em 1963. Na televisão, no desenho animado Scooby-Doo, o personagem Salsicha é um retrato de um beatnik. De forma semelhante, a serie de desenhos animados, Beany and Cecil, também tinha uma personagem beatnik, Go Man Van Gogh ("The Wildman"), que vive regularmente na selva e pinta varias imagens e fundos para enganar os seus inimigos. Teve a sua primeira aparição no episódio "The Wildman of Wildsville". Na serie animada "Os Simpsons", os pais do personagem Ned Flanders são beatniks que o colocaram num hospital psiquiátrico enquanto criança, depois de terem tido dificuldade em discipliná-lo, devido ao seu mau comportamento (A mãe dele queixa-se: "Já tentamos tudo, e estamos sem ideias!"). Além disso, na serie de televisão animada, Doug, a irmã mais velha de Doug, Judy Funnie, é retratada com uma beatnik.
MUITO TEMPO DEPOIS...
Já se passaram 70 anos desde o início dessa revolução literária que nos dias de hoje é considerada o estopim da contracultura estadunidense. De lá pra cá, o mundo mudou bastante, os regimes totalitários caíram, as feministas saíram as ruas reivindicando o que lhes é de direito, e o povo, mesmo não exercendo e nem aparentando vontade de exercício, possui direito sobre o Estado. Porém, as críticas de Allen Ginsberg continuam tão vívidas quanto eram na data de suas publicações, e o espírito aventureiro de Jack Kerouac continua a tomar conta da mente de jovens pelo mundo inteiro, como eu, que decidem cair na estrada com suas mochilas e o espírito de liberdade absoluta pedindo carona por aí.
E foi nessa mesma estrada, que a indústria cinematográfica, assim como os jovens mochileiros, também pegou uma carona, e arrecadou milhões. Três ótimos exemplos, são os filmes "Uivo" de 2010, "Na Estrada" de 2012 e "Big Sur" de 2013, que realizaram com êxito e louvor, a difícil tarefa que é a de transpor um romance literário para à telona sem perder toda sua essência original e o suor derramado ali por seu autor. Honestamente, é de se aplaudir de pé após o fim da sessão. Em "Uivo", dirigido por Jeffrey Friedman e Robert Epstein e estrelado pelo consagrado ator James Franco, que encarna divinamente o poeta Allen Ginsberg, nós podemos testemunhar os acontecimentos principais que envolveram a produção e o lançamento do livro de poemas "Howl" de 1956, a primeira publicação beat e pretexto de sérias controvérsias. Ginsberg, que era homossexual assumido, escreveu grande parte de sua obra sob ponto de vista homoerótico e intimista, fato que - obviamente - chocou a sociedade estadunidense da época, resultando assim no banimento do livro das livrarias e um encontro com o juiz, que decidiria se o livro era ou não indecente e obsceno como constava nas acusações.
Com um roteiro baseado no próprio poema "Howl" e em entrevistas posteriores do poeta, o resultado foi uma obra-prima de primeira categoria. Alternando entre os anos de 1955 e o de 1957, com sequências coloridas e em preto e branco, o filme ainda conta com uma excelente animação paralela conforme o poeta declama sua obra, realizada pelo artista plástico Eric Drooker.
Já "Na Estrada" e "Big Sur" são baseados nas duas obras homônimas de Jack Kerouac. O primeiro, dirigido pelo brasileiro Walter Salles, foi um grande sucesso em todos os países onde foi exibido. Concorrente não vencedor do Festival de Cannes, "Na Estrada" foi um blockbuster recheado de estrelas hollywoodianas como Sam Riley, Garrett Hedlund, Kristen Stewart e Viggo Mortensen. A história conta a juventude do fracassado escritor Sal Paradise (alter-ego de Kerouac, personagem vivido por Riley), que desiludido com um romance não terminado e a morte do pai, quase desiste de escrever por definitivo. É então que ele conhece o aventureiro Dean Moriarty (Hedlund) e juntos eles botam o pé na estrada em viagem pela América por cinco vezes no período de três anos. Realizando experimentações com drogas, orgias, grandes bebedeiras na tentativa de fugir das regras impostas pelo tempo em que vivem. O resultado é um escritor cheio de ideias com um livro pronto da na cabeça, fãs da obra satisfeitos com a fidelidade do roteiro(que particularmente considero duvidosa) e um grande sucesso cinematográfico de verão.
E por fim, "Big Sur", o novo filho pródigo do cinema beatnik. Realizado independentemente, o projeto demorou três anos para conseguir ficar pronto, e finalmente estreou em Janeiro passado no Festival de Sundance, sendo ovacionado pelos presentes na sessão. Dirigido pelo aclamado cineasta independente Michael Polish, conta com Jean-Marc Barr na pele de Jack Dulouz (Kerouac com outro pseudônimo) e Josh Lucas na pele de Cody Pomeray (Dean Moriarty, u-ha!). "Big Sur" conta a história de um escritor em seus quarenta anos, que começa a sentir o peso da idade e dos excessos da juventude, tendo ainda um problema com álcool de bônus, que decide tirar uma folga do mundo e se esconder nas montanhas costeiras da Califórnia em uma pequena cabana sem energia elétrica. Lá ele passa por sérias crises existenciais e de abstinência, quase que fatais, que resultam no princípio da sua decadência.