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O QUE É O CINEMA NOVO

Cinema Novo: a verdade em cada quadro

Na virada dos anos 1950 para os 1960, um conjunto de jovens de diferentes regiões e formações decidiu que era hora de reinventar o cinema brasileiro. Para eles, não se tratava apenas de juventude, mas de autenticidade. Como afirmou o cineasta Paulo Cezar Saraceni: “Cinema Novo não é uma questão de idade; é uma questão de verdade.”

O movimento começou a ganhar forma em 1952, durante o I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro e o I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro. Nesses encontros, ecoavam debates já presentes entre jovens inconformados com a decadência dos grandes estúdios paulistas. Inspirados pelo neorrealismo italiano, pela Nouvelle Vague francesa e em sintonia com as primeiras experiências do Nuevo Cine Latino-americano que nascia em Cuba e Argentina, esses cineastas sonhavam com filmes de maior realismo, conteúdo social e baixo custo, capazes de refletir a realidade nacional. Dessa inquietação surgia o Cinema Novo.

Em Portugal, uma escola semelhante, o Novo Cinema, nascia em contexto parecido e servia de estímulo criativo. No Brasil, as ideias discutidas nos congressos de 1952 logo se consolidaram em um marco inaugural: “Rio, 40 Graus” (1955), de Nelson Pereira dos Santos. Fortemente influenciado pelo realismo italiano, o filme foi rodado em cenários naturais, Maracanã, Corcovado, favelas, praças, e retratava com franqueza a vida de malandros, soldados, crianças envolvidas em pequenos crimes e deputados. Era uma obra popular que dispensava o artificialismo dos diálogos pomposos.

A nova estética

A proposta logo seduziu artistas cariocas e baianos, que adotaram métodos semelhantes. Nada lembrava os filmes luxuosos da Vera Cruz nem o escapismo alegre das chanchadas. O lema passou a ser “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, definindo um cinema autoral e reflexivo, voltado ao contexto social de um país subdesenvolvido.

No Rio, jovens ligados ao CPC da UNE deram impulso definitivo com “Cinco Vezes Favela”, obra coletiva em cinco episódios dirigidos por Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Carlos Diegues, Miguel Borges e Marcos Farias. Outros títulos reforçaram a vanguarda: “Garrincha, Alegria do Povo”, “Porto das Caixas”, “Vidas Secas”, “Ganga Zumba”. Rapidamente, esses filmes conquistaram prêmios internacionais e reconhecimento interno.

A estética do movimento privilegiava poucos movimentos de câmera, cenários simples e despojados, diálogos em primeiro plano e, em grande parte, o preto e branco. Na primeira fase, de 1960 a 1964, o foco recaiu sobre o Nordeste, explorando a pobreza, a seca e o drama dos retirantes. Em 1962, “Os Cafajestes”, de Ruy Guerra, causou escândalo ao exibir o primeiro nu frontal do cinema brasileiro.

Projeção internacional

Em 1964, o Cinema Novo ganhou repercussão mundial. No Festival de Cannes, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, e “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, tornaram-se sensação entre a crítica europeia. Mesmo sem prêmios oficiais, foram celebrados pela imprensa, e Deus e o Diabo passou a ser considerado um ápice do cinema nacional.

A segunda fase, de 1964 a 1968, reflete o impacto da Ditadura Militar e das políticas desenvolvimentistas. Os cineastas abordaram desde as ansiedades da classe média urbana até o destino do sertanejo nas metrópoles e a postura do intelectual diante do regime. Surgem obras como “Os Fuzis” (Ruy Guerra), “A Falecida” (Leon Hirszman), “O Padre e a Moça” (Joaquim Pedro de Andrade), “O Desafio” (Paulo Cezar Saraceni), “A Grande Cidade” (Carlos Diegues) e “Menino de Engenho” (Walter Lima Jr.). Em 1967, “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, chocou conservadores e venceu prêmios em Cannes com seu retrato explosivo de oligarquias, populismo e imperialismo latino-americano.

Metáforas e Tropicalismo

Com o endurecimento da censura, a partir de 1968, falar de política exigia sutileza. Os cineastas passaram a recorrer a narrativas alegóricas, inaugurando a terceira etapa do movimento, de 1968 a 1972. Filmes como “Fome de Amor” (Nelson Pereira dos Santos), “Brasil Ano 2000” (Walter Lima Jr.), “Os Herdeiros” (Carlos Diegues) e “Pindorama” (Arnaldo Jabor) refletiam, em chave simbólica, a situação do país. A influência do Tropicalismo trouxe cores, exotismo e elementos da cultura popular, indígenas, araras, bananas, como marcas de identidade.

Mesmo em meio ao desgaste, surgiram clássicos no final dos anos 1960: “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha, e “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade. Ambos em cores, diferiam da predominância do preto e branco e indicavam um novo caminho para o cinema nacional, mais próximo da indústria que ganharia força nos anos 1970 com a criação da Embrafilme.

Produção, crítica e legado

As dificuldades de produção foram enormes: orçamentos mínimos, filmagens em condições precárias e distribuição limitada. Muitos filmes circularam primeiro em cineclubes e festivais, antes de alcançarem salas comerciais. Ao mesmo tempo, os realizadores publicavam manifestos e textos críticos, ajudando a formar políticas de incentivo que pavimentaram a própria Embrafilme.

A repressão militar desarticulou a união dos cineastas. Muitos foram perseguidos ou exilados; outros tentaram se adaptar ao contexto político. No início da década de 1970, o Cinema Novo cedeu espaço ao Cinema Marginal, mais radical e experimental.

Ainda assim, sua influência atravessou gerações. Diretores contemporâneos como Walter Salles, Karim Aïnouz e Kleber Mendonça Filho reconhecem a herança estética e política do movimento. Hoje, a crítica também revisita o Cinema Novo sob novas lentes, apontando, por exemplo, a quase ausência de mulheres na direção e a necessidade de repensar a representatividade que ficou em segundo plano na época.

Apesar da dispersão, os diretores continuaram ativos e a marca do movimento permanece. O Cinema Novo mudou a forma de pensar e fazer filmes no Brasil, incorporando crítica social, inovação estética e um olhar genuíno sobre o país. A união desapareceu, mas a ousadia e o compromisso com a realidade ainda ecoam, influenciando gerações e mantendo vivo o espírito de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.


Cinema novo não é uma questão de idade; é uma questão de verdade.

Paulo Cezar Saraceni

INFOGRÁFICO BÁSICO:

O lema do movimento era "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça"

O Cinema Novo foi influenciado pelo Neo-realismo italiano e também pela Nouvelle Vague francesa.

Início: Meados dos anos 50

Fim: Meados dos anos 70

Principais diretores: Cacá Diegues, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos, Roberto Santos, Rogério Sganzerla, Ruy Guerra, Olney São Paulo,Paulo César Saraceni.

Abaixo, 10 filmes essenciais.



Direção: Nelson Pereira dos Santos

Considerado um marco precursor do Cinema Novo, o filme adota um tom quase documental para retratar um domingo de sol intenso no Rio de Janeiro. A narrativa acompanha cinco garotos de uma favela que vendem amendoim em pontos icônicos da cidade, como Copacabana, Pão de Açúcar e Maracanã.
O longa causou polêmica: os militares o censuraram alegando que a obra “mentia” sobre a cidade, ironizando que “a temperatura do Rio nunca passou de 39,6 ºC”. A crítica, porém, viu na produção o início de um movimento estético que rompia com o cinema de estúdio e trazia para as telas a realidade social brasileira.


Direção: Anselmo Duarte

Zé do Burro (Leonardo Villar), pequeno agricultor, promete a Santa Bárbara doar metade de suas terras se o burro de estimação sobreviver após ser atingido por um raio. O animal se recupera, e Zé decide cumprir a promessa, carregando uma imensa cruz de madeira até a Igreja de Santa Bárbara, em Salvador.
Sua fé, no entanto, entra em choque com a intolerância religiosa: o padre recusa a entrada de Zé por ele ter feito a promessa em um terreiro de candomblé. O filme, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, tornou-se símbolo da luta entre religiosidade popular e instituições tradicionais.


Direção: Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Marcos Farias e Miguel Borges

Produzido pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, o longa é uma coletânea de cinco episódios que abordam diferentes dimensões da vida nas favelas cariocas:

Um Favelado (Marcos Farias): um homem desempregado tenta um plano para ganhar dinheiro e acaba preso.

Zé da Cachorra (Miguel Borges): moradores resistem à expulsão de suas terras por um latifundiário.

Escola de Samba, Alegria de Viver (Carlos Diegues): o conflito entre a tradição e a exploração comercial do carnaval.

Couro de Gato (Joaquim Pedro de Andrade): meninos caçam gatos para fabricar tamborins.

Pedreira de São Diogo (Leon Hirszman): trabalhadores e moradores se unem para impedir um desastre provocado por explosões em uma pedreira.

O filme consolidou a estética engajada do CPC e antecipou o tom político do Cinema Novo.


Direção: Ruy Guerra

Jandir (Jece Valadão) e Vavá (Daniel Filho) tramam chantagear o tio de Vavá, levando a amante dele, Leda (Norma Bengell), a uma praia deserta para fotografias comprometedoras. A situação descamba para abuso sexual, expondo a decadência moral da elite carioca.
Com fotografia em preto e branco de Tony Rabatoni e trilha de Luiz Bonfá, o longa escandalizou a sociedade conservadora e a Igreja por seu erotismo frontal, incluindo a famosa cena de nudez de Norma Bengell, inédita no cinema nacional. Apesar de cortes impostos pelos produtores, o filme permanece como um dos mais ousados retratos da burguesia brasileira.


Direção: Nelson Pereira dos Santos

Adaptação fiel do romance de Graciliano Ramos, acompanha Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois filhos e a cadela Baleia em uma jornada pelo sertão assolado pela seca. Aceitos como trabalhadores em uma fazenda, eles sonham com uma vida melhor, mas permanecem presos ao ciclo de miséria e estiagem.
Fortemente influenciado pelo neorrealismo italiano, o filme tornou-se um clássico do Cinema Novo e foi incluído pelo British Film Institute entre as 360 obras essenciais da história do cinema mundial.


Direção: Ruy Guerra

Em um vilarejo nordestino devastado pela fome, soldados armados tentam impedir que a população saqueie um depósito de alimentos. Guerra cria um estudo brutal sobre poder e desamparo: de um lado, militares arrogantes; do outro, famintos sustentados apenas pela fé.
Cenas como o sacrifício coletivo de um boi sagrado e a morte de um camponês crivado de balas tornaram-se emblemáticas. A trilha do maestro Moacir Santos reforça a atmosfera de tensão e denúncia social.


Direção: Glauber Rocha

Manoel, camponês oprimido, mata o coronel explorador e foge com a esposa, Rosa. O casal se une a um grupo messiânico liderado por Sebastião, mas passa a ser perseguido por jagunços contratados pelos latifundiários, entre eles o lendário matador Antônio das Mortes.
O filme é uma das obras-primas do Cinema Novo, misturando misticismo, violência e crítica social em uma narrativa épica sobre fanatismo e luta de classes.


Direção: Glauber Rocha

Ambientado na fictícia República de Eldorado, o filme é uma alegoria da política brasileira dos anos 1960. Paulo Martins, jornalista e poeta, oscila entre líderes conservadores e populistas, testemunhando a falência de diferentes ideologias.
Com fotografia expressionista e montagem fragmentada, Glauber constrói um ensaio feroz sobre poder, oportunismo e desilusão revolucionária, razão de sua recepção controversa entre críticos e intelectuais da época.

Direção: Glauber Rocha

Retomando o personagem Antônio das Mortes, o filme acompanha o matador contratado para eliminar um novo líder cangaceiro. Após cumprir a missão, ele enfrenta coronéis e jagunços, em um embate que mistura mito, cordel e ópera sertaneja.
Com câmera fluida, música vibrante e forte simbolismo, a obra é considerada por muitos a síntese madura do Cinema Novo, expandindo as experiências de Deus e o Diabo na Terra do Sol.


Direção: Joaquim Pedro de Andrade

Baseado no clássico modernista de Mário de Andrade, o filme narra as peripécias do herói sem caráter que nasce negro (Grande Otelo), transforma-se em branco (Paulo José) e atravessa o Brasil entre a selva e a cidade.
Repleto de humor, crítica social e exuberância visual, com cenários e figurinos de Anísio Medeiros, Macunaíma é um retrato satírico do país, sintetizando mitos populares e contradições nacionais em uma aventura tropical anárquica.

Texto: M. V. Pacheco
Revisão: Rubens F. Lucchetti

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