O QUE É A PORNOCHANCHADA
O termo “pornochanchada”, formado pela fusão de “porno” com “chanchada”, foi criado para identificar um tipo específico de produção cinematográfica que despontou no Brasil na passagem para a década de 1970. Em meio a transformações sociais, econômicas e culturais, marcadas sobretudo pela gradual liberação dos costumes, essas obras inauguraram uma tendência própria do cinema nacional, caracterizada tanto pelo questionamento de padrões de comportamento quanto pela exploração aberta do erotismo.
De origem inteiramente brasileira, a pornochanchada conquistou expressiva popularidade ao longo de toda a década de 1970, mesmo operando com orçamentos modestos e sendo realizada, em sua maioria, na região conhecida como Boca do Lixo, no centro de São Paulo.
Inspirado pelas comédias italianas de apelo erótico, pela tradição carioca de humor urbano e pelo erotismo insinuante dos filmes paulistas do final dos anos 1960, o gênero ganhou contornos próprios. Embora o rótulo tenha sido usado de modo amplo, servindo tanto para filmes bem trabalhados quanto para produções descuidadas, a pornochanchada manteve elementos em comum: roteiros recheados de situações picantes, humor malicioso, piadas de duplo sentido e atenção especial à exibição do corpo feminino.
Temas como a perda da virgindade, a conquista amorosa, o adultério e o jogo de sedução eram recorrentes, acompanhados de títulos sugestivos que atiçavam a curiosidade do público. Apesar da enorme popularidade, críticos conservadores viam na pornochanchada um espetáculo de vulgaridade. Muitos a acusavam de apelar para o sensacionalismo e de se aproveitar do controle de informações imposto pela ditadura militar, que, paradoxalmente, também facilitava seu êxito: enquanto a censura cortava trechos considerados ousados, a notoriedade desses cortes despertava ainda mais interesse.
Campanhas de moralização surgiram em diferentes estados, e inúmeros filmes sofreram edições drásticas antes de chegar às telas. Por outro lado, defensores ressaltavam a importância econômica do gênero, que ajudou a sustentar o cinema brasileiro em um período de grandes dificuldades financeiras.
O auge da pornochanchada coincidiu com o florescimento de um mercado interno consistente. A Enciclopédia do Cinema Brasileiro aponta como marcos iniciais títulos como Os Paqueras, de Reginaldo Faria, Memórias de um Gigolô, de Alberto Pieralisi, e Adultério à Brasileira, de Pedro Carlos Rovai, todos produzidos no Rio de Janeiro. Entre 1969 e 1972, a primeira fase contou com diretores experientes, que buscavam certo refinamento em elenco, direção e roteiro. Nomes como Lauro César Muniz e Oduvaldo Viana Filho chegaram a colaborar com os textos dessas comédias eróticas, indicando que, no começo, o gênero não se restringia à exploração comercial.
Foi, no entanto, a partir de meados dos anos 1970 que a pornochanchada encontrou terreno realmente fértil em São Paulo. No bairro da Luz, a região da Boca do Lixo tornou-se sinônimo de produção intensa e diversificada. Surgiram novos diretores, equipes técnicas especializadas e um esquema de produção capaz de garantir regularidade e lucro. De 1972 a 1978, o gênero dominou as bilheterias nacionais: entre as 25 maiores arrecadações do período, nove eram pornochanchadas, com destaque para A Viúva Virgem, de Pedro Carlos Rovai, que se tornou um recordista de público.
Durante esse período de ouro, o gênero se expandiu em múltiplas direções. Além das comédias eróticas tradicionais, apareceram variações que dialogavam com o drama, o policial, o terror, o western e até o experimental, sempre mantendo o tempero sexual. Diretores como Carlos Reichenbach, Ody Fraga, Roberto Mauro, Fauzi Mansur, Jean Garret, Cláudio Cunha e Silvio de Abreu marcaram presença, assim como profissionais de bastidores, os fotógrafos Cláudio Portioli e Antônio Meliande, o montador Éder Mazzini e o roteirista Rajá de Aragão, e produtoras como a Servicine, de Alfredo Palácios e A. P. Galante, e a Cinedistri, de Osvaldo Massaini.
A pornochanchada também conseguiu algo incomum para o cinema nacional: uma relação equilibrada entre produtores, distribuidores e exibidores, em muitos casos associados entre si. Essa engrenagem garantiu público fiel e permitiu que o cinema brasileiro atingisse, em determinados anos, cerca de 30% do total de ingressos vendidos no país, número que representava aproximadamente 120 milhões de bilhetes. O sucesso incomodou as grandes distribuidoras estrangeiras, em especial as norte-americanas, que viram o mercado interno ser disputado por produções de baixo custo, mas altamente lucrativas.
O fenômeno ainda criou um modesto, porém vibrante, star system nacional. A Boca do Lixo revelou atrizes que se tornaram ícones da época, como Zaira Bueno, Vera Fischer, Matilde Mastrangi, Helena Ramos, Arlete Moreira e Aldine Muller, além de atrair nomes já conhecidos como Sandra Bréa, Kate Lyra e Ira von Fürstenberg. Entre os homens, David Cardoso despontou como principal astro e produtor influente, enquanto Carlo Mossy acumulou funções de ator, diretor, roteirista e produtor, tornando-se outro símbolo do gênero.
Entretanto, no início dos anos 1980, os sinais de desgaste eram evidentes. A crise econômica brasileira reduziu o público dos cinemas, afetando tanto filmes nacionais quanto estrangeiros. Paralelamente, o cinema hardcore norte-americano começou a ocupar o espaço de mercado que antes pertencia à pornochanchada. Produtores brasileiros, após alguma resistência, aderiram ao sexo explícito, sendo Coisas Eróticas (1982), de Raffaele Rossi, o primeiro grande marco dessa nova fase. O filme ultrapassou a marca de quatro milhões de espectadores, impulsionando uma produção intensa, porém de qualidade técnica inferior.
Alguns realizadores da Boca do Lixo, como Alfredo Sternheim, Álvaro Moya, Antônio Meliande, David Cardoso, Fauzi Mansur, José Mojica Marins e Ody Fraga, migraram para o novo filão, muitas vezes usando pseudônimos. A maioria das atrizes mais conhecidas, entretanto, recusou-se a participar dos filmes hardcore; as poucas que aceitaram tiveram dublês para as cenas de sexo explícito. Com custos ainda mais baixos e apelo imediato, a pornografia de sexo explícito dominou rapidamente as salas, encerrando de forma melancólica o ciclo da pornochanchada e representando a etapa final da efervescente produção da Boca do Lixo.
Assim, o gênero que marcou uma época, garantindo vitalidade ao cinema brasileiro e revelando talentos, desapareceu em poucos anos, deixando como legado um retrato irreverente dos desejos, contradições e transformações de uma sociedade em mudança.
Abaixo, dez títulos marcantes que condensam o espírito da pornochanchada e a presença magnética de suas protagonistas. De clássicos de bilheteria, como A Viúva Virgem e A Dama da Lotação, a experimentos ousados como Mulher Objeto e Volúpia de Mulher, cada filme revela uma faceta dessa produção que desafiou convenções e, entre risos e escândalos, conquistou seu espaço na história cultural brasileira.
A Viúva Virgem (1972)
Após ficar viúva ainda jovem e virgem, Cristina muda-se para o apartamento que pertencia ao marido no Rio de Janeiro. Lá conhece Constantino, um homem interessado em aplicar o famoso “golpe do baú”. Porém, o fantasma do falecido não pretende facilitar os planos do novo pretendente.
O Libertino (1973)
O comendador Emanuel é um moralista convicto que dedica a vida a combater a pornografia. Em dificuldades financeiras, ele é obrigado a alugar sua mansão para um colégio de moças que, na verdade, serve a um propósito bem diferente do anunciado.
A Super Fêmea (1973)
No segundo trabalho de Vera Fischer no cinema, ela interpreta uma modelo contratada para promover uma pílula anticoncepcional destinada a homens. O desafio é convencer o público de que o produto não causa impotência, enfrentando desconfianças e preconceitos.
Ainda Agarro Esta Vizinha (1974)
Tatá, um publicitário conquistador, conhece Tereza, recém-chegada do interior. Convencido de que será mais uma conquista fácil, ele planeja aproveitar-se da ingenuidade da jovem e de sua virgindade para garantir um casamento vantajoso.
Noite das Taras (1980)
Três histórias independentes giram em torno de marinheiros que desembarcam no porto de Santos. Em A Carta de Érico (John Doo), um marinheiro precisa entregar uma misteriosa carta em São Paulo a uma mulher rica, infeliz e viciada em drogas. Em Peixe Fora d’Água (David Cardoso), um grupo liderado por uma ninfomaníaca tenta levar um marinheiro a cometer um crime. Em Julio e o Paraíso (Ody Fraga), um grupo de hippies famintas, prestes a ser despejado, seduz um marinheiro para conseguir comida e abrigo.
As Histórias que Nossas Babás Não Contavam (1979)
Uma sátira irreverente do conto de Branca de Neve, em que os sete anões demonstram ao príncipe encantado que “tamanho não é documento”.
O Bem Dotado, O Homem de Itu (1978)
Lírio, um caipira ingênuo de Itu, chama a atenção por suas “medidas” excepcionais. Ao se mudar para a cidade grande, transforma-se em objeto de desejo das mulheres da alta sociedade.
Mulher Objeto (1981)
Regina, ex-secretária submissa e reprimida, só encontra prazer em fantasias e fetiches que invadem sua imaginação. Atormentada por esses desejos e incapaz de se relacionar sexualmente com o marido, Hélio, ela vê seu casamento confortável ameaçado.
A Dama da Lotação (1978)
Carlos e Solange se casam após um romance de juventude. Na noite de núpcias, Solange recusa o marido e é violentada por ele em um acesso de fúria. Meses depois, ela continua incapaz de se deixar tocar por Carlos e, para provar a si mesma que não é frígida, passa a seduzir estranhos em ônibus lotados. Enquanto Carlos a acusa de infidelidade, Solange busca ajuda psiquiátrica para lidar com a ausência de culpa.
Volúpia de Mulher (1984)
Expulsa de casa após perder a virgindade e recusar o casamento, Cristina chega à capital e descobre estar grávida. Com a ajuda do travesti Lili Marlene e da médica Laura, enfrenta a gravidez e o nascimento de um bebê com problemas de saúde.
Ao lado dos filmes, destaco também as musas que brilharam nesse universo, nomes como Helena Ramos, Matilde Mastrangi, Nicole Puzzi, Vera Fischer, Sônia Braga e tantas outras, lembrando que por trás do erotismo havia talento, carisma e um contexto social que fez da pornochanchada um fenômeno único.
Helena Ramos
Helena construiu uma longa carreira no cinema erótico brasileiro. Antes de estrear nas telas, trabalhou como “tele moça” do programa de Silvio Santos. Aos 19 anos recebeu o primeiro convite para atuar em filmes e, a partir daí, participou de produções marcantes, entre elas As Cangaceiras Eróticas (1974), de Roberto Mauro, Dezenove Mulheres e Um Homem (1977), de David Cardoso, e Roberta, a Moderna Gueixa do Sexo (1978), de Raffaele Rossi. Seu último longa foi A Volúpia do Amor (1984). Com o fim da ditadura e a abertura política, a popularização do sexo explícito a fez optar por encerrar a carreira no gênero.
Matilde Mastrangi
Matilde declarou diversas vezes considerar a pornochanchada uma fase medíocre do cinema brasileiro. Para ela, o gênero floresceu apenas por causa da ditadura e da censura que limitava outras formas de arte. Ainda assim, exibiu seu carisma em produções de destaque, como Bacalhau (1975), de Adriano Stuart, Palácio de Vênus (1981), de Ody Fraga, e o polêmico Incesto (1976), de Fauzi Mansur. Desde 1990 é casada com o ator Oscar Magrini.
Nicole Puzzi
Entre os maiores sucessos de Nicole estão Ariella (1980), de John Herbert, e Convite ao Prazer (1980), de Walter Hugo Khoury, que chegou a quase dois milhões de espectadores. Ela também estrelou Escola Penal de Meninas Violentadas (1977), Damas do Prazer (1978) e Perdida em Sodoma (1982). Posteriormente atuou em novelas como Barriga de Aluguel (1990) e escreveu os livros Parado na Porta do Céu e A Boca de São Paulo, este último sobre a cena cinematográfica da Boca do Lixo.
Lucélia Santos
Conhecida como a eterna Isaura da televisão, Lucélia também participou de comédias eróticas. Entre seus filmes destacam-se Já Não Se Faz Amor Como Antigamente (1976), dirigido por Anselmo Duarte, Adriano Stuart e John Herbert, e Álbum de Família (1981) e Bonitinha, mas Ordinária (1981), ambos de Braz Chediak.
Sônia Braga
Ícone sexual e uma das maiores estrelas do país, Sônia construiu carreira sólida no cinema e na TV. Atuou em O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, e alcançou enorme sucesso em Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto, segundo maior público da história do cinema brasileiro, com quase 11 milhões de espectadores. Outros destaques são A Dama do Lotação (1978), de Neville de Almeida, inspirado em Nelson Rodrigues, O Beijo da Mulher-Aranha (1985), de Hector Babenco, Gabriela, Cravo e Canela (1983) e Tieta do Agreste (1996), ambos baseados em romances de Jorge Amado.
Aldine Muller
Aldine segue ativa no teatro: de 2010 a março de 2023 esteve em cartaz com a peça Virgem aos 40.com no Teatro Zanoni Ferrite. Atuou em novelas como Rainha da Sucata (1990), Sassaricando (1987), A Escrava Isaura (2004) e na Escolinha do Professor Raimundo. Sua carreira começou nas comédias eróticas dos anos 1970, em filmes como As Meninas Querem... Os Coroas Podem (1976), de Oswaldo de Oliveira, Bem Dotado, o Homem de Itu (1978), de José Miziara, e Bacanal (1981), de Antônio Meliande.
Zilda Mayo
Atriz e bailarina gaúcha, Zilda brilhou em produções de grande apelo popular, como A Ilha dos Desejos (1975), de Jean Garret, e Coisas Eróticas (1982), de Raffaele Rossi e L. Callachio, este último visto por quase cinco milhões de espectadores. Foi capa da Playboy em 1983.
Selma Egrei
Formada na Escola de Arte Dramática da USP, Selma iniciou a carreira em teatro e cinema, preferindo essas áreas à televisão. Atuou em Emanuelle Tropical (1977), de J. Marreco, e Nos Embalos de Ipanema (1978), de Antonio Calmon. Mais tarde esteve em novelas como A Favorita (2008) e O Astro (2011). Em entrevistas recentes, renega essa fase inicial, afirmando que os artistas eram mal remunerados e que a Boca do Lixo não teve relevância cultural.
Angelina Muniz
Símbolo sexual dos anos 1980, Angelina teve breve, mas marcante, carreira no cinema erótico. Entre seus trabalhos estão O Inseto do Amor (1978), de Fauzi Mansur, O Sol dos Amantes (1979), de Geraldo Santos Pereira, e Amante Latino (1979), de Pedro Carlos Rovai. Posou três vezes para a Playboy e continua atuando em séries e novelas de TV.
Adele Fátima
Carioca da Urca, Adele começou como garota-propaganda do clube de futebol Bangu e da marca de tintas Ypiranga. No cinema, estrelou sucessos de público como As Massagistas Profissionais (1976) e Manicures a Domicílio (1978), ambos de Carlo Mossy, além de Histórias que Nossas Babás Não Contavam (1979), de Aníbal Massaini, no qual interpretou uma versão irreverente da Branca de Neve.
Rossana Ghessa
Nascida na Itália, Rossana construiu carreira sólida no Brasil. Antes de se tornar produtora nos anos 1980, trabalhou como modelo da agência McCann Erickson e venceu o concurso Miss Objetiva. Estreou no cinema em 1966 com Paraíba, Vida e Morte de um Bandido e, com mais de quarenta filmes no currículo, tornou-se uma das musas da pornochanchada durante os anos 1970.
Sandra Bréa
Sandra teve presença marcante no cinema erótico do final dos anos 1970. Atuou em Cassy Jones, o Magnífico Sedutor (1972), de Luiz Sérgio Person, O Prisioneiro do Sexo (1978), de Walter Hugo Khoury, e Herança dos Devassos (1979), de Alfredo Sternheim. Na década seguinte dedicou-se à televisão, participando de novelas até Felicidade (1992). Em 1993 revelou ser portadora do HIV. Após enfrentar diversas cirurgias, faleceu em 4 de maio de 2000, vítima de câncer de pulmão.
Zaira Bueno
Atriz e bailarina gaúcha, Zaira protagonizou filmes de destaque como A Ilha dos Desejos (1975), de Jean Garret, e Coisas Eróticas (1982), de Raffaele Rossi e L. Callachio, sucesso que atraiu cerca de cinco milhões de espectadores. Também foi capa da Playboy em 1983.
Vera Fischer
Antes de se firmar como estrela de novelas, entre elas Mandala (1987), Caminho das Índias (2009) e Salve Jorge (2012), Vera Fischer iniciou a carreira no cinema. Destacam-se Sinal Vermelho – As Fêmeas (1972), de Fauzi Mansur, e A Super Fêmea (1973), de Aníbal Massaini, ambos com mais de um milhão de espectadores, além do polêmico Amor Estranho Amor (1982), de Walter Hugo Khoury.
Sandra Barsotti
A carioca Sandra Barsotti ganhou projeção nacional com Quando as Mulheres Paqueram (1972), de Victor di Mello. Atuou também em Um Varão Entre as Mulheres (1974), do mesmo diretor, Os Maníacos Eróticos (1975), de Alberto Salva, Ouro Sangrento (1977), de César Ladeira Filho, e A Noite dos Duros (1978), de Adriano Stuart, ao lado de Antônio Fagundes e Marco Nanini. Na televisão participou de novelas de sucesso, como Roque Santeiro (1985) e O Casarão (1976), sendo seu trabalho mais recente Morde e Assopra (2011).