CARLOS PRIMATI - RESPONDE ÀS 7 PERGUNTAS CAPITAIS
Carlos Primati é jornalista, crítico, historiador e pesquisador especializado em cinema de horror. Ao longo de sua trajetória, publicou artigos sobre José Mojica Marins, o horror brasileiro e o cineasta Carlos Hugo Christensen, além de colaborar com a Heco Produções em mostras dedicadas ao gênero. Foi colaborador do livro Maldito e co-produtor da Coleção Zé do Caixão em DVD, vencedora do 1º Prêmio DVD Brasil. Também escreveu para publicações como Filme Cultura, O Livro do Horror, Superinteressante, Bizz e Cinema de Bordas 3, além de assinar prefácios e títulos autorais como Voivode: Estudos Sobre os Vampiros.
Como professor e pesquisador, ministra cursos sobre Alfred Hitchcock, Expressionismo Alemão, ficção científica e diversas vertentes do horror, com ênfase em subgêneros como zumbis, grindhouse, blaxploitation e o fantástico brasileiro. Participa ativamente de festivais como Fantaspoa, Cinefantasy, Trash e RioFan, além de programações em instituições como CCBB, MIS, Cinemateca Brasileira e SESC. Sua atuação é marcada por uma dedicação constante à preservação, difusão e reflexão crítica sobre o cinema de gênero.
Vamos às 7 perguntas capitais:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema?
C.P.: Tenho interesse por cinema desde que me lembro de estar diante da televisão, assistindo às comédias de Jerry Lewis, aos filmes de fantasia de Ray Harryhausen e aos primeiros filmes de terror com Vincent Price. Mas o que realmente me tornou cinéfilo foi a chegada do VHS, por volta de 1987, quando eu tinha cerca de 17 anos, e, pela primeira vez, experimentei a maravilhosa sensação de poder escolher o que queria ver, a qualquer momento.
Isso me possibilitou não apenas acompanhar tudo que estava em evidência na época, mas também descobrir cineastas menos óbvios, como Bergman, Herzog, Wajda, Stelling etc. e mergulhar fundo no cinema de gênero, especialmente o horror, em todas as suas ramificações e tendências.
2) Tyler Durden disse em Clube da Luta: "As coisas que você possui acabam possuindo você". Ser colecionador é algo que se encaixa neste conceito, já que você se torna escravo do colecionismo. Coleciona filmes, CDs ou algo relacionado à 7ª arte?
C.P.: Sim, coleciono filmes em todos os formatos (tenho até algumas coisas em Super-8), além de trilhas sonoras e memorabilia de cinema, principalmente cartazes, bonecos e itens do tipo. Minhas maiores coleções são dedicadas aos meus principais objetos de estudo: Alfred Hitchcock e José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Deles, possuo até roteiros nunca filmados e alguns cartazes originais.
3) A idealização da revista "Cine Monstro" veio para suprir uma lacuna sobre o tema? E em que momento essa ideia tomou forma?
C.P.: Idealizei a revista Cine Monstro quando trabalhava na editora Works, responsável pela revista Dark Side DVD, e sugeri que tivéssemos uma publicação com conteúdo editorial, e não apenas um filme encartado. Foi realmente difícil produzir a revista, mas também muito prazeroso. O maior desafio era criar uma publicação praticamente sem base ou parâmetro de comparação no Brasil.
A inspiração veio da revista americana Fangoria: eu queria algo que fosse, em parte, uma revista de mercado, que promovesse o que estivesse em evidência no momento, e, em parte, uma revista crítica, livre de compromissos comerciais, que propusesse o resgate de tudo o que fosse relevante dentro do gênero, por mais obscuro que pudesse parecer. Acredito que foi uma publicação importante, que durou o quanto foi possível. Mas acho difícil imaginar algo parecido nos dias atuais, em que a informação é imediata e todos parecem entender de tudo...
4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?
C.P.: Certamente, conhecer e me tornar amigo do nosso grande gênio, o cineasta José Mojica Marins, foi um privilégio. Tive a honra de mergulhar em toda a sua obra e contribuir para seu resgate, não apenas disponibilizando os filmes, na medida do possível, mas, acima de tudo, preservando informações que poderiam se perder com o tempo. Acredito que não exista, no Brasil, outro artista que tenha feito tanto quanto ele e, ainda assim, tenha grande parte de sua produção disponível ao público.
Esse trabalho de resgate e preservação é fundamental, embora nem todos os nossos artistas, principalmente os do cinema, tenham esse mesmo privilégio. Participar disso é, para mim, motivo de grande satisfação e uma sensação de dever cumprido. É a minha maneira de retribuir toda a inspiração e o prazer cinéfilo que a obra do Zé do Caixão exerceu sobre minha vida, inclusive na formação do meu caráter.
Outro momento mágico de realização pessoal foi ter conhecido Roger Corman, certamente meu grande herói no cinema. Tive a chance de encontrá-lo pessoalmente, trocar algumas palavras em um encontro privado e, curiosamente, recebi a duvidosa honra de substituí-lo em uma noite, quando ele não pôde comparecer a um evento em Curitiba. Eu saí ganhando com o privilégio, mas certamente, não o público!
5) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante?
C.P.: Não sei se conseguiria fazer uma lista justa neste momento, mas certamente o maior de todos, o filme que, para mim, sintetiza todo o significado do cinema, seu poder de encantamento, sua capacidade de criar mundos próprios, de fabricar ídolos (no bom e no mau sentido), de ser popular e divertido e, ao mesmo tempo, profundo e reflexivo, é Cantando na Chuva. E eu nem sequer gosto de musicais...
Outros filmes foram marcantes na minha vida, como Um Corpo que Cai, Três Homens em Conflito, Em Busca do Ouro, Fausto, Os Nibelungos, M, O Sétimo Selo, O Pecado Mora ao Lado, e muita coisa do cinema de horror, como O Mensageiro do Diabo, Os Inocentes, O Bebê de Rosemary, Ritual dos Sádicos, Suspiria, O Homem de Palha, Santa Sangre, Alucarda, O Massacre da Serra Elétrica, O Silêncio dos Inocentes... Realmente, muita coisa.
6) Fale um pouco sobre os seus próximos projetos.
C.P.: Meu trabalho está sempre voltado para o cinema de gênero, seja por meio dos cursos, artigos ou mostras que realizo ou com os quais colaboro. Leciono disciplinas sobre o Expressionismo Alemão, a ficção científica da década de 1950 e diversos temas ligados ao cinema de horror e suas vertentes além de abordar também o horror, a ficção científica e a fantasia no cinema brasileiro.
No ano passado, ministrei um curso em dez aulas sobre Alfred Hitchcock, ao lado do crítico Marcelo Lyra, no MIS-SP. Este ano, pretendo levar para lá um curso mais completo sobre a história do cinema de horror. E sempre tenho livros sendo planejados ou, de alguma forma, em desenvolvimento.
7) Ao olhar para sua trajetória, qual aprendizado considera mais valioso e gostaria de compartilhar?
C.P.: Não sei se isso seria exatamente uma lição de vida, mas posso dizer que, junto da música, especialmente o rock, meu caráter foi essencialmente moldado pelos filmes que vi, sobretudo pelos meus maiores ídolos: Alfred Hitchcock e José Mojica Marins.
Se posso dar um conselho, eu diria que você percebe a real importância do cinema na sua vida quando se dá conta de que sua conexão com um filme vai além da admiração pela história contada ou pela técnica envolvida, ela está na identificação com o que ele transmite. Demorei décadas para entender isso: que não sou apenas um "fã" ou "admirador" de Hitchcock, mas que suas obsessões me fascinam a ponto de gerar identificação. Não "sofro" dos mesmos males, por assim dizer, mas me interesso profundamente pelos mesmos temas: sexo, morte, culpa, loucura...
O mesmo vale para Mojica. Nele, encontrei a inspiração para sempre buscar uma arte viva e corajosa, nunca acomodada, nunca entregue apenas para agradar. Ser inquieto, nunca estar satisfeito, e jamais se permitir à irrelevância.
M.V.: Obrigado amigo. Sucesso.