O QUE FOI A NOUVELLE VAGUE INGLESA
O cinema definitivamente embarcou em uma nova fase criativa, especialmente do final dos anos 1950 até a metade dos anos 1960. Esse período marcou uma transformação profunda, tanto como agente de mudança de comportamento quanto como reflexo de uma demanda por novas formas de expressão. Os modelos tradicionais e engessados precisavam ser superados por uma nova maneira de enxergar a arte. Um dos movimentos mais representativos desse momento foi a Nouvelle Vague.
Essas "novas ondas" artísticas costumam estar ligadas a transformações culturais mais amplas, frequentemente enraizadas em tradições anteriores. Seja nas artes visuais, no teatro ou na literatura, é comum que esses movimentos surjam como reações, muitas vezes desafiando o que já estava estabelecido. No Reino Unido, essa renovação foi simbolizada por diretores como Tony Richardson, Lindsay Anderson e John Schlesinger, que lideraram o que se tornou o movimento mais marcante do país, apesar de sua breve duração, inferior a uma década.
A proposta era retratar histórias realistas focadas nas dificuldades enfrentadas pela classe trabalhadora, abordando questões sociopolíticas de forma direta e crua, com o intuito de evidenciar as tensões sociais vividas no Reino Unido da época.
Os longas-metragens britânicos pertencentes à chamada "Nova Onda" seguiram uma linha estética e temática próxima à da Nouvelle Vague Francesa, que serviu como inspiração direta. Essa vertente do cinema passou a retratar a classe operária de forma mais humana, revelando suas emoções, desejos e conflitos internos. Diferente das representações anteriores em que esses personagens existiam apenas como pano de fundo, os filmes desse período passaram a oferecer uma abordagem mais profunda e empática.
Normalmente rodadas em preto e branco, as produções se destacavam por sua espontaneidade e autenticidade, sendo registradas fora dos tradicionais estúdios. Filmadas em ambientes reais, com uma linguagem visual semelhante à do documentário, essas obras traziam à tona um retrato mais fiel e cru do cotidiano das pessoas comuns. Esses indivíduos se tornavam o centro das narrativas, deixando de ser figurantes para ocupar o papel de protagonistas, com sentimentos visíveis e experiências palpáveis.
Além disso, a Nova Onda Britânica também se aprofundou em temas delicados e provocadores, como a gravidez não planejada, usada frequentemente como símbolo das pressões sociais, carências emocionais e limitações impostas pela falta de perspectiva. O movimento não hesitou em provocar reflexões sobre as desigualdades sociais e as tensões existentes no Reino Unido da época, abrindo espaço para discussões importantes e, muitas vezes, desconfortáveis.
O ponto de partida desse movimento foi o lançamento de Almas em Leilão em 1959, enquanto seu período mais expressivo começou a declinar por volta de 1963. Ainda assim, um último título digno de nota chegou às telonas em 1969.
Naquele momento, a Nova Onda representou uma espécie de revitalização do cinema britânico, algo reconhecido inclusive pelos próprios críticos do país. Apesar de sua breve duração, o seu impacto deixou traços visíveis na trajetória de cineastas como Ken Loach, que manteve o espírito desse movimento vivo ao longo de sua obra. O legado da Nova Onda, portanto, ultrapassou seu tempo original e continua ressoando na produção cinematográfica do Reino Unido até os dias atuais.
O declínio começou a se configurar com a ascensão dos blockbusters britânicos, como os filmes da franquia James Bond. Com sua estreia em 1962 e a explosão de popularidade de Goldfinger em 1964, o "cinemão" passou a dominar o cenário, afastando o público das produções intimistas e socialmente críticas da Nova Onda.
Direção
Diretores como Tony Richardson, Karel Reisz, John Schlesinger e Lindsay Anderson iniciaram suas carreiras no teatro, especialmente no Royal Court Theatre, onde Richardson dirigiu obras de John Osborne, como Look Back in Anger e The Entertainer. Estas peças foram adaptadas para o cinema com os títulos Odeio essa Mulher (1959) e Vida de Solteiro (1960), respectivamente, recebendo elogios da crítica especializada.
Para viabilizar essas adaptações, Richardson e Osborne fundaram a Woodfall Film Productions, que rapidamente se tornou uma das principais produtoras do cinema britânico da época. A empresa trouxe para o cinema atores consagrados como Richard Burton e Laurence Olivier nos papéis principais, ao mesmo tempo em que revelou uma nova geração de talentos como Albert Finney, Rita Tushingham, Shirley Anne Field, Tom Courtenay, Alan Bates, Rachel Roberts e Richard Harris.
Karel Reisz conquistou o primeiro grande êxito comercial do movimento com Tudo Começou num Sábado (1960). Em seguida, Tony Richardson dirigiu Um Gosto de Mel (1961) e A Solidão de uma Corrida sem Fim (1962), ambos fortemente alinhados com as ideias da Nova Onda Britânica. O ciclo foi encerrado simbolicamente por Lindsay Anderson com o filme O Pranto de um Ídolo (1963). Abaixo, você encontrará uma lista com dez produções fundamentais para compreender com profundidade as intenções e características deste movimento cinematográfico.
Antes, uma observação importante: esses cineastas continuaram a ter destaque mesmo após o auge da Nova Onda Britânica. Filmes como As Aventuras de Tom Jones (dirigido por Tony Richardson, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 1964), Perdidos na Noite (dirigido por John Schlesinger, vencedor do mesmo prêmio em 1970) e A Mulher do Tenente Francês (dirigido por Karel Reisz e indicado a cinco Oscars em 1981) são exemplos de como esses nomes mantiveram sua relevância e prestígio no cenário internacional.
Durante o período, a censura foi particularmente rígida. As produções provocaram forte reação nas autoridades. A British Board of Film Censors chegou a classificar A Solidão de uma Corrida sem Fim (1962) como “uma obra de propaganda comunista evidente e especialmente perigosa, já que seu protagonista é um delinquente admirado por jovens ingênuos”.
Já Tudo Começou num Sábado (1960) sofreu cortes nas falas consideradas sexualmente sugestivas. Isso mostra que, desde sempre, governos ou instituições conservadoras tentam intervir na liberdade da arte cinematográfica. O que talvez não perceba é que essa repressão apenas confirma a relevância e o poder dessas obras, que continuam sendo assistidas e comentadas, ultrapassando gerações, goste eles disso ou não.
Vamos aos filmes:
➤Direção: Jack Clayton
Joe Lampton é um homem ambicioso. Ele se muda da inóspita cidade de Dufton para Warnley, onde conseguiu um emprego. Chegando lá, ele se aproxima de Susan Brown, filha do grande magnata da cidade, Mr. Brown, visando estabelecer um relacionamento amoroso com ela e, dessa forma, aumentar seu status e sua influência na cidade. No entanto, ele conhece a francesa Alice Aisgill, uma mulher mais velha que vive um casamento infeliz e se apaixona por ela. Agora, ele precisa decidir entre a sua vontade de progredir socialmente e viver um grande amor ao lado de Alice.
➤Direção: Tony Richardson
Apesar de ter formação universitária, Jimmy Porter (Richard Burton) não consegue trabalho melhor do que ter, junto com Cliff Lewis (Gary Raymond), uma barraca de doces em uma feira. A relação de Jimmy com Alison (Mary Ure), sua esposa, alterna entre abraços e beijos quando se sente bem e ofensas verbais quando está irritado, o que é mais freqüente. A atriz Helena Charles (Claire Bloom), a melhor amiga de Alison, vai ficar alguns dias hospedada com eles, enquanto encena uma peça. Helena foi convidada por Alison, que precisa de alguém para conversar, mas Jimmy não a suporta e a ofende sempre que possível. Ela, por sua vez, diz para Alison abandonar Jimmy, pois este casamento só lhe trouxe infelicidade.
➤Direção: Tony Richardson
Archie Rice (Laurence Olivier) é um artista em declínio que se apresenta nos vaudevilles ingleses. Ele tenta manter a sua carreira, mesmo com o mundo artístico das performances musicais caindo no esquecimento. Enquanto ele busca se reerguer profissionalmente, sua vida pessoal entra em crise.
Segundo a edição da revista Time do dia 21 de Abril, 1958, o ator Laurence Oliver recusou a proposta de participar de um filme de Hollywood recebendo aproximadamente $25,000 (o que equivale a $ 1.7 milhões) para interpretar o papel de Archie Rice.
➤Direção: Karel Reisz
Em uma pequena cidade perto de Nottingham, Arthur Seaton (Albert Finney) é um operador de torno mecânico em uma fábrica. Ele passa cada fim de semana bebendo e transando. Arthur tem um bom salário, o que lhe permite gastar dinheiro em noitadas e isto o faz suportar o emprego, que ele odeia. Arthur está tendo um caso com Brenda (Rachel Roberts), que é casada com um colega de trabalho dele, Jack (Bryan Pringle). As relações sexuais com Brenda são agradáveis para Arthur, mas isso é tudo que ele planeja fazer com ela, enquanto que Brenda almeja algo mais profundo. Paralelamente Arthur conhece Doreen Gretton (Shirley Anne Field), que é jovem e bonita mas tem princípios morais rígidos.
➤Direção: Tony Richardson
Jo é uma jovem que tem uma mãe omissa e após um repentino casamento, abandona a filha. Sem moradia ao certo, Jo decide morar com Geoffrey, seu colega de trabalho. Um dia ela conhece Jimmy, um marinheiro que acaba a engravidando e a abandona por conta do trabalho. Grávida e sem apoio, ela encontra um porto seguro na amizade com Geoffrey, que a ajuda a se preparar para os momentos mais difíceis.
➤Direção: John Schlesinger
Adaptado de um livro de Stan Barstow é o primeiro longa de John Schlesinger. Alan Bates é Vic Brown, jovem desenhista de uma fábrica que ama Ingrid Rothwell (June Ritchie). Uma noite em que a mãe da garota não está em casa eles fazem amor. A partir daí, Vic não quer saber dela até que Ingrid lhe dá a notícia de que está grávida. Eles se casam, passam a viver com a mãe dela que não gosta de Vic.
➤Direção: Tony Richardson
Colin Smith (Tom Cortenay) não quer trabalhar para ninguém, pois não quer que outros tenham lucro as suas custas. Tendo como desafio assaltar uma padaria, é preso e na prisão especial para jovens delinquentes descobrem-lhe o talento de corredor de longa distância. Logo o diretor da prisão (Michael Redgrave) pretende se servir dele para ganhar o campeonato para seu estabelecimento.
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➤Direção: Bryan Forbes
Jane, uma jovem francesa solteira e que está grávida, vai morar num prédio no subúrbio de Londres. Mas o local é habitado por pessoas que, num primeiro momento, não agradam a moça. É quando ela conhece Toby, um jovem escritor que mora no primeiro andar. Os dois passam a se relacionar. Ao poucos, Jane começa a conviver melhor com todas as estranhas pessoas que vivem no local. O problema é que ela acha que não dará conta da criança que está chegando e pensa em abortar
➤Direção: John Schlesinger
Um jovem rapaz vive sonhando e inventando histórias para se enganar de sua própria vida monótona, fingindo ser um herói. Mas com tantas mentiras, acaba ficando desacreditado, e tem uma chance única de recomeçar sua vida, ou continuar a se enrolar cada vez mais. Julie Christie está deslumbrante num personagem delicado que marcou sua carreira.
➤Direção: Lindsay Anderson
Em uma partida de rúgbi um jogador é duramente atingido e perde vários dentes. Em uma sucessão de flashbacks é mostrada a trajetória de sua vida, desde quando ainda era mineiro de carvão e sonhava se tornar um profissional de rúgbi. Ele consegue seu objetivo e é considerado um jogador bom mas brutal, além de ter fama de ser uma pessoa arrogante. Ele consegue algum sucesso financeiro e se envolve com a viúva de quem é inquilino, sendo também assediado por uma rica mulher.