MATO EM NOME DA LEI (1971) - FILM REVIEW
O grande interesse em ver e rever "Mato em nome da lei" se de deve ao fato de ser um filme comum, mostrando personagens comuns em uma época marcada por estereótipos. Heróis e vilões passam longe da produção. O roteiro inseriu camadas bastante reflexivas a eles, e ainda que, até certo momento, você defina facilmente que são os heróis e os vilões, este conceito se dilui ao longo do filme chegando ao ápice no crepúsculo da história, quando o grupo "do mal" duela com o homem da lei, e você fica com pena do vilão e contra o homem da lei.
Mato em nome da lei é dirigido pelo parceiro de Charles Bronson, Michael Winner. Eles fizeram vários filmes juntos, sendo o mais popular a trilogia "Desejo de matar" (e nem me venha dizer que tem o quarto e quinto filme, porque tento esquecer todos os dias que eles existiram!!!). Na história, o rancheiro Vincent Bronson (Lee J. Cobb) e seus vaqueiros causam destruição na cidade de Bannock durante uma bebedeira. Eles disparam a esmo e acabam por, sem saberem, matar um lojista.
O delegado da cidade, Jared Maddox (Burt Lancaster), estava fora mas meses depois ele aparece na cidade de Sabbath com a lista dos homens que participaram do tiroteio. Um homem de bem, Maddox exige do xerife Cotton Ryan (Robert Ryan) e do dono do rancho, Bronson, que os outros se entreguem, iniciando um confronto que envolve todos eles.
Justiça é sinal de bom senso?
Como vemos diariamente, há dois pesos e duas medidas nos julgamentos criminais. Se alguém mata um bicho ou uma árvore é punido (justamente) com severidade, mas se assassina alguém ou quebra um estado com corrupção, não são sentenciados a prisão perpétua. Nem são presos, e quando são, ficam em casa com tornozeleira. Neste cenário de caos, surgiu um personagem brasileiro chamado "O doutrinador", que faz, basicamente, o que muitos queriam.
Em "Mato em nome da lei", Maddox (Burt Lancaster) não é justiceiro. Não nos representa. Mas é um frio homem da lei, buscando cumprir seus objetivos e ponto. Às vezes brutal, ele não quer conquistar a simpatia de ninguém. Apenas fazer seu trabalho, como uma vingança pessoal dentro da lei. Seu comprometimento com o código que segue pode gerar consequências para as pessoas próximas a ele, mas isto não o faz mudar em nada. E todo filme como este precisa de contraponto. Aquele "outro" lado que equilibra a equação e ela é Vincent Bronson (Lee J. Cobb) numa atuação memorável. O grande personagem dramático do filme, que tem consciência dos atos e de suas consequências.
Paul Kersey (Charles Bronson) de Desejo de matar tem ligação direta com "O doutrinador", citado acima. É quase unilateral: o personagem sofre do efeito dramático de um acontecimento em sua vida e parte para a vingança. Já em "Mato em nome da lei", somos levados a pensar sobre como os personagens chegaram a este ponto em suas vidas. Quem é realmente herói e quem é realmente vilão? Descobrimos no processo que somos todos heróis e vilões em nossa linha temporal. O que nos torna mais um ou outro, é apenas o ponto que resolvemos focar.
Ainda que o elenco seja formado por grandes atores, a simpatia maior é para dois nomes: Robert Ryan e Lee J. Cobb, que sempre usava peruca em seus filmes, e concordou em não usar no filme a pedido do diretor Michael Winner . Burt Lancaster e Robert Ryan mais tarde co-estrelariam O Assassinato de um Presidente (1973). Eles já haviam feito juntos a obra prima "Os Profissionais (1966)".
Há uma curiosidade bizarra entre atores de western, que se relaciona diretamente ao filme. O personagem Crowe Wheelwright, o simpático covarde que nunca sabemos qual será seu destino é interpretado por Audie Murphy....quer dizer...Richard Jordan, em seu primeiro filme no cinema, em 1971. Os atores são clones, sendo difícil descobrir quem é quem, dependendo da foto. Mas a bizarra coincidência é que Jordan estreou justamente no ano em que Murphy sofreu o acidente que tomou sua vida. Um Murphy saiu de cena, outro entrou.
Algumas cenas foram filmadas na mesma cidade-locação do faroeste de Howard Hawks, Rio Lobo (1970). Michael Winner diz em sua autobiografia que as equipes de ambos os filmes se encontraram no meio da cidade, como em um confronto de faroeste, mas sem armas.
Uma noite, durante a fase de pré-produção do filme, o diretor se levantou e foi fazer "o número 1" no mato porque se recusou a usar um trailer com banheiros. Quando ele se aliviava na escuridão, um figurante mexicano que dormia no chão. Ele assustado de repente e começou a gritar agarrando uma faca. Michael Winner disse que esta foi a experiência mais assustadora de toda sua carreira.
A estética do filme sofreu forte influência de Sam Peckinpah, que fazia sucesso na época. Meu ódio será sua herança foi lançado 2 anos antes. A crueldade das cenas, bem como o excesso de sangue quando um tiro atinge o alvo é marcante, até mesmo chocante. Para ter uma ideia, o filme termina com um suicídio e um tiro pelas costas. Curiosamente, o vencedor do Oscar de melhor filme, lançado no mesmo ano, tem uma cena assim, que inclusive está em seu pôster.
Era o ano de Operação França. Era o ano de Perseguidor implacável. Era o ano de Laranja mecânica. E não se fazem mais filmes como nos anos 70. Não havia concessões. E o impacto provocado era o que tornava os filmes inesquecíveis.