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JÚLIO CALASSO - RESPONDE ÀS 7 PERGUNTAS CAPITAIS


O paulista Júlio Calasso, nascido em 1941, é um roteirista, ator, produtor e diretor de cinema e teatro brasileiro. Ele iniciou a carreira como ator e assistente de produção no filme “O Bandido da Luz Vermelha”, em 1968, dirigido por Rogério Sganzerla. Também trabalhou em longas como “O vampiro da Cinemateca“, em 1977, e “Filme demência” em 1986.

Escreveu e dirigiu os longas "Longo Caminho da Morte" em 1972 com Othon Bastos e Dionísio Azevedo e o documentário "Plínio Marcos nas Quebradas do Mundaréu" em 2015 com a participação de Neville d'Almeida e Tônia Carrero.

Vamos às 7 perguntas capitais:



1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema? 

J.C.: Eu sou de outro mundo. Nasci em 1941. Com 5 ou 6 anos, íamos ao cinema alguns domingos, 2 filmes, pipoca, e voltávamos lá pelas 9:30 hs./10 da noite. Eu de cavalinho no meu pai, minha mãe dando colo para o mais novo. Anos depois, fiquei sabendo que íamos ao cinema (era uma longa caminhada) na lua cheia, porque, sem iluminação na rua, seu reflexo intenso era nosso guia.

Na real, ir ao cinema foi um processo de exploração da cidade, de convivência com pessoas diferentes, divergentes, desde meu bairro, a velha Mooca, até o centro da cidade: dos Cines Imperial, Icaraí, Piratininga (2300 lugares, domingos lotados, filas enormes), Universo, Roxy, Itapura, Rialto ao Art Palácio, Metro, Marabá, República, Paissandu, Ipiranga, Windsor, Rívoli, Broadway, Bandeirantes e tantos outros onde o ritual do espetáculo, a arquitetura das salas, a projeção de mundos desconhecidos, o público, tudo nos conduzia ao inebriante, mágico e distante milhões de léguas daqui até Nova York, Londres, Paris e Roma, principalmente. 


O cinema começou a me “afetar”, fazer parte da minha vida de adolescente, junto com o rock'n'roll (Elvis, Little Richard, Chuck Berry) através de filmes, incorporando influências que vieram de Marlon Brando, James Dean, Marilyn Monroe na Playboy (já foram fotografadas mais de 750 milhões de mulheres pela revista, e lembro só dela espreguiçada sobre uma colcha vermelha, lânguida, tesuda, paixão eterna). Aliás, víamos 2 ou 3 brasileiros por ano, entre comédias da Atlântida e dramas da Vera Cruz. 

No meio disso, vi Rio 40 graus e Rio Zona Norte, que destoavam. Em geral víamos Randolph Scott, John Wayne, Boris Karloff, Gregory Peck, Humphrey Bogart, Burt Lancaster, Clark Gable e outros nomes masculinos que conduziam as histórias e atraíam o público indiferenciado da minha cidade, apesar de Vivien Leigh, Olivia de Havilland, Ingrid Bergman, Bardot, Bette Davis, Sophia Loren, Gina Lollobrigida e tantas outras grandes atrizes sempre com seus nomes em segundo ou terceiro lugares. De repente, tudo mudou. 

Marilyn Monroe nua estendida sobre uma colcha vermelha, Elvis Presley, Marlon Brando e James Dean, rock’n roll, tudo novo, nova respiração, um novo motor, novas histórias, enquadramentos, roteiros, ideias, isto tudo trouxe uma divisão na perspectiva da cidade. Uma parte mais tradicionalista se apegou a velhos valores, ídolos e disse não. 

Em compensação, é o momento da revisão deste "trambolho" que se apelidava de cinemão americano, como é conhecido. Esta divisão foi planetária. Agora é que sabemos da influência desta nova cultura, a da sociedade de massas, da indústria cultural entre a juventude dos países da antiga cortina de ferro, por exemplo. 


Nunca perdi uma comédia da Atlântida, Elizabeth Taylor, muito musical, muito “faroeste”, todos os clássicos do cinema americano, mocinho e bandido, capa e espada. Morando no centro maior da cidade, os Cines Ipiranga, Marabá, Metro, Broadway, Regina eram minhas casas. Eu saía de um e entrava no outro. Estudei na melhor escola pública da cidade, o Colégio Estadual de São Paulo. Excelente, vivência intensa entre três colônias: ítalo-paulistanos, nisseis e judeus, básicas. Fui da primeira geração a frequentar livremente as colônias japonesa (gigantesca) e judaica (clubes, residência, lanches típicos). 

Me apaixonei pelo Japão. Aí já era paixão mesmo e eu já conhecia uma cinematografia totalmente original, o cinema japonês e, ainda nos fins dos anos 50 do século passado, muitos destes imigrantes estavam vivos, e em grande número, a ponto da cidade de São Paulo ter 5 ou 6 salas que exibiam apenas filmes japoneses. Foi aí que comecei a identificar não apenas os atores e atrizes, mas o diretor, o roteirista, a complexidade de se fazer cinema.

M.V.: Época memorável mesmo. Foi o boom da Nouvelle Vague Japonesa. 

J.C.: Sim. Claro que o primeiro diretor de que me lembro foi Hitchcock, o segundo foi John Ford dos westerns (ele e seu alter ego, John Wayne). Estes dois foram os que mataram mais índios de toda a história do cinema americano. Na rua 7 de abril surgiu o Coral, sala especializada no cinema europeu. 

Meus horizontes foram se abrindo cada vez mais, agora no curso do cinema clássico, com mais ou menos 17/18 anos já enxergava um pouco mais longe. Lá vi Fellini, Rossellini, de Sica, Antonioni, Visconti, cinema soviético, clássico e do degelo pós-Stalin, vi "De punhos cerrados" do Bellocchio, e um que me tirou do sério: Bergman. Em 1960/61 surgiram as pequenas salas do assim chamado "cinema de arte", como o Bijou, por exemplo, cineclubes. Eisenstein entortou a minha cabeça. 


2) "Nossas vidas são definidas por oportunidades, mesmo as que perdemos.", diria Benjamin Button em seu filme. O caminho até o eventual sucesso não é fácil, principalmente na concorrida Indústria Cinematográfica. Conte como foi seu início de carreira.

J.C.: Foi de repente, dia 29 ou 30 de março de 1964, numa sessão concorrida no cine Windsor, eu vi não só “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, como também, juro, o cara que fez. E era até parecido comigo, jovem como eu, pobre poeta, fiquei “tomado” por esta nova possibilidade. 

Não eram apenas vetustos senhores que faziam cinema. Aprendi que, se você quiser, você pode. Bastam algumas ideias na cabeça, uma câmera junto com uma boa equipe e saldo bancário para que você possa se expressar por aí. Vieram os livros, biografias, textos clássicos, dos soviéticos e italianos, depois os ingleses e no meio deles um brasileiro naquela escola de documentários: Alberto Cavalcanti. 

A rede que me fisgou foi lançada por um amigo, que me convidou para participar do elenco de um filme que ele queria fazer (material reversível direto, não era negativo, com uma banda de som magnético, próprio para jornalismo de TV: a matéria era levada à emissora, revelada e fixada em seu pequeno laboratório, pronta para exibição no jornalismo da noite).


Fizemos, ficou bacana. Anos depois, se perdeu em um incêndio na coleção de filmes que tínhamos armazenado no teatro Oficina. Isso tudo foi se misturando. Descobri o Oficina, vi dezenas de vezes os "Pequenos Burgueses", mas o golpe fechou o teatro. 

Eu morava perto e vi que o mestre Eugenio Kusnet dando um curso de interpretação lá. Nada feito até então, me dei bem, mas no final participei do espetáculo como ator, saí, fui para o Arena, tudo ao mesmo tempo, esbarrei com a casualidade que mudou totalmente meu rumo. Andava eu pela rua Direita e trombei com Maurice Capovilla, que tinha conhecido na noite anterior, ele apresentando um filme em um cineclube.

Tomei coragem, dei meia volta, me apresentei e blá, blá, blá sobre mim, minha paixão pelo cinema, ele parou, coçou o queixo e me perguntou: "Você carrega um tripé?". Eu: "Lógico"!!! Ele: "Então, esteja amanhã às 6 da matina na porta principal do Pacaembu." "Eu lá estava desde 5 e meia, peguei o tripé na Kombi e fiz uma história."


3) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante? 

J.C.: Já disse que comecei a ver cinema nos anos 50, século passado, todos os dias. Às vezes, 2 filmes ou 2 sessões seguidas do mesmo filme, e o cinema era dividido mais ou menos assim: Cinema americano: faroeste, musical, policial, aventura e conquistas, capa e espada. O italiano, comédia ou drama, o francês, comédia ou drama erótico, sueco, erótico. Então ia-se ao cinema atrás de astros e estrelas. 

Do que eu me lembre agora, como um carinha que mexe com cinema, alguns filmes me assustaram, impactaram, me tiraram da linha, principalmente porque não gostei deles, de cara: o primeiro Zé do Caixão e A Margem, do Candeias, e foram estes filmes e estes cineastas que mudaram meu rumo e meu jeito de ver cinema que se ampliou e amplificou. 

Tenho pensado bastante nesta lista e não consigo satisfazer nem minha curiosidade.  Cheguei à conclusão de que não tenho nenhum “campeão de audiência”. Tudo varia, revira, revolve e se revela de acordo com uma entidade chamada TEMPO. Portanto, ao longo do TEMPO, o cinema foi me revelando facetas, ritmos e segredos. Daquelas primeiras vezes, lá no cine Califórnia, tenho uma fortíssima e traumática lembrança: um transatlântico, um personagem sinistro (indiano, sempre de branco, turbante e uma joia encrustada nele). 

Carregava em um cesto no seu camarote pequenas cobras negras venenosíssimas que soltava em outras cabines e matava seus desafetos enquanto dormiam. Bem, durante muitos e muitos anos eu não dormia com os pés fora do lençol. Quando você mergulha numa cinematografia como a japonesa, começando, por exemplo, por Rashomon, um finíssimo Kurosawa.


Ou então Os Sete Samurais e Homem Mau Dorme Bem (Kurosawa, anos 50), além de Ozu e grandes sagas de samurais, a gente entra em um mundo extraordinariamente belo e violento. Já disse do impacto causado pela programação do Cine Coral. Lá conheci o cinema polonês (pelo menos Wajda, Polanski e Kieślowski, não lembro quem fez Madre Joana dos Anjos, entre outros). 

M.V.: Madre Joana dos Anjos é de Jerzy Kawalerowicz.

J.C.: Simmm. Mas lá conheci o cinema francês, Bardot, que abriu caminho para a Nouvelle Vague, amo Godard, Bergman (que foi difícil de digerir no início), Resnais, o cinema italiano todinho, de Sica, Antonioni, Visconti, Fellini, Marco Bellocchio, Francesco Rosi, Bertolucci. Fico me perguntando: quem faz os melhores e mais surpreendentes filmes de gênero? Ninguém mais que o cinema americano. Sempre, cujas vertentes principais influenciam a escrita cinematográfica planetária.  Não precisava saber o nome do diretor, roteirista, fotógrafo. O que leva esse cinema é o elenco.

Só que lá habitam também Orson Welles, Coppola, Peckinpah, John Ford, Cassavetes, Tarantino, é tanta gente que nem lembro de todos, nascidos e/ou trazidos do mundo, como Billy Wilder, por exemplo, que nos legou Quanto mais quente melhor, Se Meu apartamento falasse, Sabrina. John Huston (Falcão Maltês, para começar) e por aí vai.  


Pode até ser que seja uma pieguice minha, mas não deixo de ver pelo menos a cada dois anos a trilogia do Poderoso Chefão e a cada cinco: Apocalypse Now. Nestes tempos digitais em que a produção e circulação de imagens audiovisuais se multiplicam, assim como as alternativas de produção e circulação, minha idade e compromissos de mais de sete anos para realizar “Plínio Marcos nas Quebradas do Mundaréu”, minha inacessibilidade a festivais e mostras acabaram me afastando bastante da “vanguarda” audiovisual.

Vai daí, me divirto com a Netflix, brincando com curiosidades em relação aos povos, espaços, costumes, vida comum, dramaturgia, influências, confluências e flatulências. Quem, já que para mim é uma entidade, nunca me foi indiferente nem nunca deixou de surpreender e desabrochar, é o cinema brasileiro. 

Juro que não esqueço o clima, os ambientes, a ingenuidade das velhas comédias cariocas que funcionavam como veículo de divulgação das marchas e sambas do próximo carnaval, “qui pro quo” (s) um tanto Commedia dell'Arte, mocinhos, bandidos, amores ingênuos e sempre Lewgoy, Oscarito, Grande Otelo e vilões carimbados. 

País agrário, ágrafo e analfabeto, o cinema brasileiro funcionava como um elo de ligação cultural e social deste gigantesco e contraditório país, em tempos pré-TV. Nelson Pereira dos Santos, desde Rio 40 graus a uma das maiores emoções que já vivi, senti e que me jogou para dentro da arte cinematográfica: Vidas Secas.


Parece que tudo que vi, li, espiei, estudei, de repente se desmancha e uma irrealidade surgiu na minha frente, pelos meus ouvidos e olhar fixo na tela e o som perturbador de um carro de bois já é um aviso para sua atenção e sublime curiosidade. 

O Assalto ao Trem Pagador (Roberto Farias, 1962) é um roteiraço policial com interpretações magníficas, trama em processo de revelação permanente, Grande Otelo magnífico. Daqui para frente, vou praticamente enumerar os filmes que me comoveram, ensinaram, filmes que me apaziguaram o espírito ou me "emputeceram", me deram raiva e ódio, sem nenhuma classificação.

1963 com certeza foi um ano de magníficas revelações, mas pirei com Vidas Secas, À Meia Noite Levarei sua Alma e A Ilha e Noite Vazia, que só entendi bem depois. Como continuo não tendo um filme imbatível, tão subversivo como Andrei Tarkovski, ou algumas cinematografias inteiras como a iraniana, por exemplo, poderia citar filmes, mas me interessa lembrar cineastas que admiro e é uma fila enorme: Tonacci, Candeias, Eduardo Coutinho, Carlão Reichenbach, Rogério e Julinho sempre surpreendendo até quando erram redondamente. Incontestável para mim só Nelson Pereira dos Santos. 


4) Apesar de ter atuado em filmes importantíssimos para o cinema nacional, como Bandido da Luz Vermelha, só dirigiu um único longa, de ficção, chamado "Longo Caminho da Morte", num distante 1972.  O que te motivou a realizar aquele filme? E por que não retomou a cadeira de diretor em algum outro momento?

J.C.: O que eu mais quis ser na vida, o que eu mais quis fazer, o que eu mais amo é ser ator. Minha vida sempre foi muito confusa, não tenho carreira alguma, inclusive algumas “carreiras” me atrapalharam bastante num certo momento. O único curso que eu fiz nessa tal área artística foi com o mestre Eugênio Kusnet, brilhante ator, mestre em um momento importantíssimo do Oficina, o clímax foi “Pequenos Burgueses” que eu vi dezenas de vezes até o teatro fechar no golpe e reabrir uma portinha anunciando o curso dele. Relutei, mas me inscrevi. Fui bem, muito bem. 

O velho me amava e, quando a gente se encontrava, ele me dizia: 'que diretor, tem muitos, você é ator, é só você, você é único.' Ao mesmo tempo, vamos falar a verdade, eu não tinha muita confiança no meu taco. Sou um carinha extremamente crítico de mim mesmo, e isto atrapalha. Mas, o caso do bandido é engraçado. Eu fiz o filme, estávamos filmando as sequências de sala de cinema no antigo Oficina, ainda era palco italiano e a última cena era aquela da bichinha de cinema da boca. Bem, o ator, aliás, mais jornalista, na hora medrou. 

O Rogério então queria transferir aquela filmagem, só aquela cena, para o dia seguinte; eu fui contra, tínhamos um plano, o teatro era só aquele dia, perguntei como era a cena e com a roupa que estava na hora, entrei e fiz, take 1.  Gosto muito do detetive Galo, personagem do Baiano Fantasma, com o qual inclusive ganhei prêmios de ator coadjuvante. Num certo período, fiz inúmeros curtas-metragens, principalmente os primeiros de uma geração que hoje beira os 50 anos, homens e mulheres. Tudo bacana, “de graça” e tal. De modo geral, avançaram na profissão, fizeram e fazem filmes, só me esqueceram. 


Mas fiz inúmeros que eu gosto, filmei bastante nos anos 80, com Carlão, Guilherme de Almeida Prado, Valter Rogério, Chico Botelho, José Antônio Garcia, mais outros que esqueci. Gosto de um média metragem sobre o cronista paulistano Lourenço Diaféria: Braz, Sotaques e Desmemórias.   Fiz mais dois filmes com o Denoy, uma série de TV, depois "murchou". 

Tenho 4 filhos, eram pequenos, não dava para dizer: cala a boca que vocês jantaram ontem. No fim dos anos noventa, fui pro Rio, me envolvi com um maravilhoso e cheio de ousadia grupo de teatro, aprimorei minha visão de direção teatral, de espetáculo, de ator, produzi 17 espetáculos e, com uma pequena VX 1000 mini DV, fiz vários documentários e me preparei, comecei e já concluí um documentário sobre Plínio Marcos. 

De repente, em 2016/7, recebi alguns convites e fiz alguns trabalhos. Gosto do média metragem do Geraldo Carneiro “Uma rua chamada Triumpho”, depois o Carlos Cortez, de saudosa memória, me convidou para participar de um episódio da primeira temporada da série União Básica de Saúde, fiz a primeira temporada da Surfistinha (Me chama de Bruna), 2 ou 3 pequenas participações na Globo onde agora fiz um belo cadastro e espero ser chamado.  

Com relação a ter filmado somente um longa de ficção, o mistério está presente e não tenho a menor ideia do que aconteceu na minha vida neste quesito. Sei que participei de inúmeros editais, foi sempre uma complicação. Agora estou com uma produtora parceira participando de editais com um projeto em que acredito bastante. Acho que é isso. 

Ah! Nesse novo/antigo projeto, eu estou de ator, com o personagem Júlio Calasso, um cineasta que não consegue filmar.

M.V.: Ri alto aqui. Mas, de repente, o caminho é rir de si mesmo e fazer sucesso com isto.


5) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?

J.C.: É sempre bom que o bastidor fique nos bastidores. Pensei em várias coisas, mas acho melhor não. Mas, quando a gente fazia O Bandido da Luz Vermelha, uma figura típica da Boca, o "Pé com Pano" tinha uma pequena banca só com jornais do dia cuja venda ele bebia toda. Às vezes, pirava. 

Numa dessas, logo de manhã, "Pé com Pano" não sei o que aprontou que a PM algemou o carinha em um poste. O Ebert pegou sua câmera e registrou o lance no momento em que chegou a viatura e ele foi "desalgemado" para ir à delegacia. Bem, ele viu a câmera e ergueu o pé em direção ao para-sol, o Ebert desviou, tudo certo. Tem imagem do fato no filme.

Dias depois, "Pé com Pano" saiu e começou a procurar o pessoal que filmou ele, não para briga, ele queria o cachê dele (não esqueça que ele era maluco da Boca). Dias depois foi o primeiro de maio, feriado, folga, eu no escritório preparando a semana seguinte, sei lá, a produtora era na parte superior de um sobrado na rua do Triunfo e de repente trinco estala a porta abre com ruído, rua silenciosa e "Pé com Pano" começa a subir, bêbado, riscando a parede com uma faca e dizendo que estava com o saco cheio de esperar o cachê dele e que ia ser na marra, facada, etc. 

Eu tentei fechar a porta da minha sala que não tinha trinco, olhei para um pequeno pátio entre as salas, medi a altura do muro, corri, saltei no vizinho, caí em cima da mesa de almoço de feriado deles, susto geral, contei o fato do cara querendo me acertar para a dona da casa, que disse que no dia seguinte falaria com ele que era boa gente, mas, como ela disse: meio maluco. Não vi mais "Pé com Pano" até o fim das filmagens. 


6) Imagine o cenário: você é um diretor (de qualquer país) no set de filmagem de um filme memorável. Quem seria, em qual filme, e por que essa experiência seria tão marcante para você?

J.C.: Quando vi Deus e o Diabo no seu pré-lançamento em 64 e o carinha era quase do meu tamanho, quase da minha idade, bem mais focado é verdade, pensei: é por aí que eu vou. 

Então, no cinema brasileiro, gostaria de estar com o Glauber em dois momentos: na subida do Monte Santo com aquele povo todo e a cena do Othon fazendo e narrando ao mesmo tempo. Gostaria também de estar como uma formiguinha ao lado do Coppola na armação e filmagem da cavalgada das Valquírias, do filme Apocalipse Now. 

Eu adoraria estar em Paris caminhando ao lado do Godard, da Jean Seberg e do Belmondo, sei lá, a construção cinematográfica é tão fascinante. O que dizer da Cleópatra com a Elizabeth Taylor entrando em Roma!?


7) Para finalizar, deixe uma frase ou pensamento envolvendo o cinema que representa você.

J.C.: Follow that car! (Siga aquele carro), que aparece em trezentos filmes de perseguições, principalmente nos anos cinquenta e sessenta. Adoro.

M.V.: Obrigado pela entrevista divertidíssima.



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