O PORTAL DO PARAÍSO (1980) - FRACASSO NA BILHETERIA..
O objetivo desta matéria é falar sobre filmes que foram retumbantes fracassos no cinema. Me proponho a analisar os fracassos de público, e escrever um pouco sobre os efeitos do fracasso para atores, diretores e produtoras.
Inaugurando a sessão, o filme "Portal do Paraíso"
O PORTAL DO PARAÍSO (1980)
FICHA TÉCNICA
Gênero: Drama
Direção: Michael Cimino
Roteiro: Michael Cimino
Elenco: Christopher Walken, Isabelle Huppert, Jeff Bridges, John Hurt, Joseph Cotten, Kris Kristofferson, Mickey Rourke
Produção: Joann Carelli
Fotografia: Vilmos Zsigmond
Trilha Sonora: David Mansfield
Duração: 149 min.
SINOPSE
1890, Estado de Wyoming, EUA. Um xerife (Kris Kristofferson) faz o possível para proteger fazendeiros imigrantes de ricos criadores de gado, em guerra por mais terras. Ao mesmo tempo, ele luta pelo coração de uma jovem (Isabelle Huppert) contra um pistoleiro (Christopher Walken).
DEU RUIM
Consequências:
Custou 44 milhões (mais de 100 milhões se reajustados aos valores atuais), faturou apenas 1,5 milhões de dólares!!!
Quebrou a United Artists!!!!
Acabou com o prestígio do diretor que em seguida deixou a carreira de diretor.
UMA ANÁLISE


Michael Cimino

Pois Cimino, em apenas sete longas-metragens realizados ao longo de 22 anos, marcou-se como um narrador de relações esfaceladas. Quase sempre foi pessimista, e é curioso que os dois extremos de sua obra se aproximem do otimismo: da irreverência de O Último Golpe (1974) à esperança de Na Trilha do Sol (1996), e ainda que nada de tangível permaneça do contato criado entre os personagens, ao fim há lampejos de novos rumos, olhares outros a um universo de possibilidades até então desconsideradas.


A aleatoriedade da roleta russa que traumatiza o trio é também a aleatoriedade de suas vidas a partir dali: não mais seres que definem os espaços onde vão ocupar; agora, são os espaços que os acolhem (o retorno à comunidade, a internação na clínica para deficientes, a permanência no Vietnã) do jeito que eles, homens, são – ou, mais corretamente, o que se tornaram. A noção de destruição interior ganha nas imagens de Cimino encenações sempre muito precisas, quase nunca óbvias e, na maior parte das vezes, de um incômodo atroz. O espaço é o mesmo na segunda caçada de O Franco Atirador, mas o personagem está modificado pela experiência na guerra; a câmera ainda valoriza seu corpo, mas com bem menos ênfase, porque ele agora é um corpo estilhaçado. Esse estilhaço será a base de O Portal do Paraíso (1980), filme seguinte de Cimino e provável (mas não único) “culpado” de sua derrocada. Projeto grandioso, custou o equivalente hoje a US$ 100 milhões. Não arrecadou mais que 2% disso nas bilheterias e foi responsável pela falência do estúdio United Artists.
Maldita a sociedade moderna que valoriza o lucro como legitimador de qualidade: sem sucesso e com pose e fama de arrogante, Cimino foi achincalhado, teve o filme mutilado em mais de 100 minutos para ser relançado no mercado sem sua autorização, virou alvo de deboche e piadas e amargou um forçado ostracismo que o levou à depressão. O Portal do Paraíso, por conta disso, ficou abandonado à própria sorte e se tornou uma espécie de lenda e símbolo do quanto Hollywood é capaz de torrar seus dólares e desvalorizá-los se o público não embarcar na viagem.

Se os espectadores não queriam saber de assistir às chagas da nação, imagine se iriam atentar para a beleza da construção cinematográfica levada a cabo por Cimino. Novamente o esfacelamento dá o tom, desta vez sem construção prévia (diferente de O Franco Atirador): bastam 20 minutos de filme para o cineasta nos apresentar seu protagonista (o xerife interpretado por Kris Kristofferson) como decalque do estudante que foi no passado. Em meio a um conflito por território e às voltas com a paixão pela meretriz local (Isabelle Huppert), o xerife vai precisar se dividir entre a guerra que se aproxima e a disputa pelo amor da moça com um pistoleiro (Christopher Walken).

Porém, ela pouco importa a Cimino diante das possibilidades permitidas pelo contato humano – o olhar atravessado, a palavra agarrada na garganta, o sorriso tímido, o toque discreto, o presente de aniversário. O pessimismo vai se concretizar quando tudo isso deixar de existir diante da violência que bate à porta – ou melhor, que derruba a porta – e faz todos figuras ativas de suas destruições. Enquanto fazem a história do país andar, os personagens de O Portal do Paraíso põem fim às suas próprias histórias.
O espaço aberto é o espaço por excelência no cinema de Michael Cimino. Se as relações – de afeto ou de fissão – só se realizam no contato com o corpo, os corpos apenas farão sentido se colocados em ambientes onde possam transitar livremente. Daí o uso do formato de tela scope com tanta propriedade: ao abrir o plano para a errância dos corpos, Cimino também está libertando o olhar do espectador para o espaço e permitindo que os personagens se abram a esse espaço.

Só num filme de Cimino para um bandido silenciar diante do cerco da polícia, respirar fundo e olhar a paisagem ao redor antes de ser executado. O filme é Horas de Desespero (1990); o bandido é vivido por David Morse; e a tensão da cena é toda construída para culminar num lirismo inesperado: sabendo estar se despedindo do mundo, o criminoso – o único a pedir ao chefão, encarnado por Mickey Rourke, para ir embora da casa onde eles mantêm uma família refém – tem a liberdade cerceada e, antes de se entregar, absorve o que a natureza ainda pode lhe proporcionar, dá um último suspiro e se entrega aos tiros derradeiros.
É uma cena “ciminiana” como nenhuma outra. Não porque seja a melhor de sua obra, mas porque é a que mais emula essa mesma obra. Realizado no ocaso da carreira do diretor, Horas de Desespero foi uma última tentativa de redenção plena para Cimino (o que o título cruelmente parece ironizar), e ele se permitiu inserir pequenos momentos que falavam muito mais de suas crenças artísticas do que poderia permitir o remake de um antigo sucesso de William Wyler (o filme homônimo de 1955 com Humphrey Bogart).

Se parece um final “feliz” dos mais tradicionais em Hollywood (família a salvo e bandido morto), o desfecho de Horas de Desespero guarda mais uma noção de Cimino de que a América está calcada na violência sob qualquer aspecto, o que o aproxima de cineastas como Arthur Penn, Sam Peckinpah, William Friedkin e Don Siegel – e não apenas no olhar para o mundo destes diretores, mas principalmente na forma de representar esse mundo. O Ano do Dragão (1985), realizado cinco anos depois da catástrofe comercial de O Portal do Paraíso (e sob rigorosíssimo controle de custos e cronograma do produtor Dino De Laurentiis), guarda profundas semelhanças com a visão de determinados filmes – Perseguidor Implacável e Os Impiedosos (Siegel), Os Implacáveis (Peckinpah), Caçada Humana (Penn) e Viver e Morrer em Los Angeles (Friedkin): todos acreditam no corpo como o resumo do mundo, o receptáculo da violência, o fim de qualquer chance de transcender a existência para além dos limites permitidos pela natureza da carne. E, portanto, o corpo só fará parte do enquadramento quando se mostrar ativo, artífice, dono do espaço, mesmo que esse espaço lhe sirva de jazigo.
Só que Cimino, talvez mais que o quarteto acima citado, implode com maior selvageria o universo que retrata: o policial vivido por Mickey Rourke, detestável como talvez só o seja o de William Petersen no filme de Friedkin, mergulha mais e mais no inferno criado por (e para) si mesmo. Praxe em Cimino, quase ninguém sobrevive ao fim de O Ano do Dragão, e tudo é retratado com visão suja, demonstração do quanto o mundo pode ser mau se assim o homem (o cinema?) o permitir ser. Longe de ser gerada por maniqueísmos, a dor provocada por Cimino é deflagrada na pele – e, claro, se dá a céu aberto, com ou sem a luz do dia.
No cinema de Michael Cimino, os mitos podem crescer e sucumbir diante de sua própria natureza gigantesca (O Siciliano), ou podem se enterrar junto com a história de um país (O Portal do Paraíso); podem se tornar verdade (Na Trilha do Sol) ou serem renovados (O Último Golpe); talvez se dissipem num jantar de amigos depois da guerra (O Franco Atirador) ou provoquem o fim do mundo como se conhece (O Ano do Dragão), ou pelo menos o fim de um único mundo (Horas de Desespero). O que jamais vai faltar para Cimino é a existência desse mito fundamental, dessa fonte primária de onde a ação ocorre e que é responsável por toda a construção de um olhar atento ao que permite cada movimento. Se é de mitos, afinal, que falam os filmes de Cimino, nada mais coerente que ele mesmo, na incompreensão ainda a rodeá-lo, tornar-se apropriadamente um.