DIA D: O COMANDO PARA MATAR RUSSO - CRÍTICA DESTRUTIVA
Não sei ao certo qual é o limite entre um filme ruim e um filme fraco. Difícil definir, e já explico o motivo. Assisti a "Todo Mundo em Pânico 5" e achei fraco: não ri uma única vez. Tempos depois, vi "Star Wars Turco", um filme completamente tosco e ridículo, mas nunca ri tanto na vida. Ou seja, um filme ruim acabou atingindo, involuntariamente, o objetivo de um filme fraco. Daí a pergunta: qual eu assistiria de novo — o ruim ou o fraco?
Obs.: a resposta é óbvia: o ruim, é claro.
Sinto saudades daquelas impagáveis picaretagens feitas na Turquia e na Itália dos anos 70 e 80, que refilmavam sem cerimônia — e sem pagar direitos autorais, lógico — sucessos produzidos nos Estados Unidos, transformando-os em pérolas como "Seytan" (a versão turca de "O Exorcista") e "Robowar" (a versão italiana de "O Predador"). Pois bem, pode parar de se lamentar e corra baixar uma obscura aventura russa chamada "DEN' D" ("Dia D", em português). Até porque dificilmente será lançada comercialmente fora da Rússia. Isso porque, meus caros, trata-se de um remake cena a cena, mas "não oficial", do clássico "Comando para Matar", aquele petardo dirigido por Mark L. Lester em 1985, estrelado por Arnold Schwarzenegger no auge da truculência, da canastrice e do sotaque carregado.
Se você nunca viu "Comando para Matar" (duvido que alguém assim exista...), corra para a locadora. O filme não é apenas uma das mais perfeitas amostras do exagero das aventuras dos anos 80, mas também um exemplo de ação no limite do exploitation, com todo tipo de violência explícita, uma quantidade absurda de mortes (só o herói elimina 81 pessoas, segundo o IMDb) e cenas impossíveis de engolir — como Schwarzenegger saltando de um avião em plena decolagem e saindo praticamente ileso, claro.
Já o objetivo de "DEN' D" foge à compreensão. Talvez "Comando para Matar" tenha sido proibido na Rússia desde 1985, pois não encontro outra explicação para refazerem um filme tão popular nos mínimos detalhes, apenas trocando nomes de personagens e mudando a ambientação dos EUA para a Rússia. E sem dar crédito algum aos realizadores do original, o que ultrapassa todos os limites da sem-vergonhice. Jesus!
"DEN' D" é tão idêntico a "Comando para Matar", inclusive nos enquadramentos, que a comparação das imagens entre os dois vira um verdadeiro jogo dos sete erros. E, se você duvida que produções tão diferentes possam ser quase idênticas, saiba que ambos começam da mesma forma: vilões, disfarçados de trabalhadores em um caminhão (de lixo no original, de coleta de esgoto na versão russa), metralham um ex-soldado que vivia escondido sob identidade civil.
Outras mortes acontecem antes mesmo dos créditos iniciais, que trazem uma montagem piegas (como no filme de 1985) mostrando momentos do herói com sua filha pequena. No original, Schwarzenegger interpretava John Matrix, pai de Jenny (Alyssa Milano). Na versão russa, temos Ivan (interpretado pelo “Schwarzenegger genérico” Mikhail Porechenkov, que também dirige o filme), pai de Zhenya (Varvara Porechenkova). Até os nomes são equivalentes: John é comum nos EUA, Ivan é comum na Rússia; Jenny soa praticamente igual a Zhenya.
Assim como Matrix, Ivan vive em uma casa isolada nas montanhas e recebe a visita de seu antigo superior, o comandante Filippov (Sergei Sosnovsky, no papel equivalente ao de James Olson em 1985). Ele alerta o herói sobre o assassinato de sua antiga unidade e deixa dois soldados para protegê-lo de possíveis ataques. Naturalmente, os inimigos aparecem, matam os guarda-costas e sequestram a filha de Ivan. Até a cena do famoso diálogo — "Você vai ter que cooperar, certo?" / "Errado!" — é copiada integralmente. Whatta Fuck!
Se em "Comando para Matar" o herói perseguia os vilões em fuga com um carro em ponto morto, aqui Ivan mostra “criatividade” e usa um snowmobile em plena estrada de terra. Logo em seguida, é capturado e obrigado pelo vilão a assassinar o presidente da Rússia sob ameaça de perder a filha. No original, Dan Hedaya era o ditador que forçava Schwarzenegger a matar o presidente de uma república fictícia da América Latina, chamada Valverde.
Mas, assim como John Matrix, Ivan não pretende cumprir a missão. Seguindo a trama original nos mínimos detalhes, o herói é levado ao aeroporto por Stasik (Mikhail Trukhin, recriando o papel de Sully, interpretado por David Patrick Kelly). Dentro do avião, Ivan quebra o pescoço de seu escolta e foge da aeronave em decolagem — desta vez de forma menos absurda, roubando o paraquedas de um grupo de paraquedistas convenientemente no mesmo voo. A partir daí, a história segue passo a passo o filme de Lester: o herói conhece uma aeromoça, Aliya (Aleksandra Ursuliak, bem mais charmosa que Rae Dawn Chong no original), e a obriga a ajudá-lo. No clímax, Ivan invade sozinho a base inimiga, armado até os dentes, e promove um massacre tão numeroso quanto o do filme de 1985, embora sem momentos icônicos como a cena da cabana de jardinagem.
"DEN' D" é inacreditável. O diretor/astro Porechenkov refaz as cenas inteiras sem o menor constrangimento. Mesmo tentando alterar algumas piadinhas — em vez de "Vou matá-lo por último", ouvimos "Você é divertido, então vou matá-lo de uma forma divertida" — não há como esconder que estamos diante do MESMÍSSIMO filme de Schwarzenegger, já parte da cultura pop.
A narrativa é tão igual que dá para assistir sem legendas e, mesmo sem entender russo, prever cada acontecimento. Porechenkov nem se preocupa em alterar elementos para escapar de um processo por plágio; pelo contrário, parece orgulhoso em seguir o original como se fosse um storyboard. Chega a ser irônico ver dois roteiristas — Oleg e Vladimir Presnyakov — creditados, mas nenhuma menção a Steven E. de Souza, autor do roteiro de "Comando para Matar".
As poucas mudanças só pioram: Zhenya, a filha, é retratada como cinéfila que cita Tarkovsky, Tarantino e Takeshi Kitano; e a clássica cena da “compra de armas” foi substituída por Ivan roubando armamento escondido em blocos de gelo (!).
Outro problema é o humor esquisito. Enquanto "Comando para Matar" era engraçado de forma involuntária — com frases de efeito ("Libere um pouco dessa pressão, Bennett!") e efeitos toscos (inimigos substituídos por manequins visíveis nas explosões) — em "DEN' D" os vilões são caricaturas exageradas. Stasik parece saído de um filme de Guy Ritchie, e o grande inimigo, Gelda (Bob Schrijber, recriando Bennett), grita com a língua de fora como se fosse Gene Simmons. Inacreditável, mas ainda mais afetado que Vernon Wells no original.
É verdade que a produção russa é mais caprichada em algumas cenas de ação, especialmente nas explosões com dublês reais, sem manequins voando pelos ares. Mas "DEN' D" é muito mais “soft” que o violentíssimo original, que transbordava testosterona, músculos, balas e sangue. A trilha sonora ruim e o humor deslocado da versão russa dão um ar quase cômico a algo que, em 1985, era levado a sério.
No fim, o propósito do filme continua um mistério. Será que os russos nunca ouviram falar de "Comando para Matar"? Será que acreditavam poder lançar o remake como se fosse algo original? Ou será apenas uma “ego trip” de Porechenkov, tentando se colocar na sombra de Schwarzenegger? Quem sabe ele também não se candidata a governador, como seu ídolo? Já imagino seus próximos projetos: versões russas de "O Exterminador do Futuro" e "Conan". (Só espero que não tente ser o Senhor Frio em algum Batman russo...)
Confesso, no entanto, que me diverti assistindo. O prazer estava em comparar "DEN' D" com "Comando para Matar", como num verdadeiro jogo dos sete erros. Como bônus, a aventura russa termina com erros de gravação nos créditos finais — provavelmente a única coisa que não foi copiada do original.
E uma última dúvida: considerando que "Duro de Matar" surgiu de um roteiro descartado de "Comando para Matar 2", será que teremos um "DEN' D 2", com Ivan enfrentando terroristas em um arranha-céu? Melhor não dar ideias... Whatta Fuck!