O QUE É CINEMASCOPE
O CinemaScope foi um sistema de filmagem e exibição cinematográfica que introduziu o uso de lentes anamórficas, criado em 1953 por iniciativa do então presidente da Twentieth Century Fox. Essa tecnologia revolucionou a produção e a projeção de filmes entre 1953 e 1967, sendo responsável por inaugurar o padrão moderno do formato widescreen tanto nas gravações quanto nas salas de cinema. A inovação permitia, em teoria, que as imagens fossem registradas com uma proporção de tela de até 2,66:1, quase o dobro da largura do tradicional formato 1,37:1, amplamente utilizado até então.
Anamorphoscope
No final dos anos 1920, o engenheiro francês Henri Chrétien desenvolveu e registrou um novo método de filmagem batizado de Anamorphoscope, que serviria mais tarde de alicerce para o que viria a ser o CinemaScope. Utilizando lentes especiais com propriedades ópticas diferenciadas, Chrétien conseguiu captar imagens com o dobro da largura das geradas pelas lentes tradicionais.
Anos depois, uma tecnologia semelhante foi apresentada em Nova York, chamando a atenção dos grandes estúdios de Hollywood, que buscavam formas de atrair novamente o público que vinha sendo seduzido pela televisão. Diante desse cenário, a Twentieth Century Fox adquiriu os direitos sobre o Anamorphoscope, mas ainda precisava definir os parâmetros ideais para sua aplicação prática.
As lentes criadas por Chrétien foram enviadas rapidamente para análise em Hollywood, e a partir delas foi estruturada a base técnica do CinemaScope. Durante esse processo, a produção do filme Manto Sagrado (1953) foi interrompida para que pudesse ser finalizada já com a nova tecnologia, considerada pelo então presidente da Fox, Spyros Skouras, como "o futuro do cinema".
Entre 1953 e 1967, o CinemaScope se estabeleceu como um formato revolucionário de filmagem e exibição, marcando uma virada estratégica para os estúdios. Com ele, o cinema procurava não apenas inovar visualmente, mas também se diferenciar da televisão, consolidando uma nova era de espetáculos em tela larga e experiências cinematográficas mais imersivas.
O Manto
Manto sagrado foi o primeiro longa-metragem a ser rodado utilizando a tecnologia CinemaScope, escolhido pela Twentieth Century Fox devido ao seu enredo grandioso e tom épico. Durante sua produção, outros dois títulos, Como Agarrar um Milionário e Rochedos da Morte, também começaram a ser filmados com o novo formato. Apesar de Como Agarrar um Milionário ter sido concluído antes, a Fox decidiu estrear Manto Sagrado primeiro, considerando-o uma vitrine mais adequada para demonstrar o potencial da nova tecnologia.
Com o sucesso imediato desses lançamentos, a Fox mobilizou todos os seus recursos para divulgar amplamente o CinemaScope. A excelente recepção de público e crítica garantiu sua rápida consolidação entre os estúdios de Hollywood. Logo, a Fox passou a licenciar o uso do sistema para outros grandes nomes da indústria, como Columbia Pictures, Warner Bros, Universal, MGM e Walt Disney Studios.
Inicialmente, o formato CinemaScope foi projetado para apresentar uma imagem com proporção de aspecto de 2.66:1, bem mais ampla do que o padrão 1.37:1 então dominante para películas de 35mm. Um diferencial importante era o áudio multicanal, com três faixas sonoras, o que o alinhava com a tendência dos filmes 3D da época.
No entanto, por conta do custo elevado e dos problemas técnicos com a sincronização de som, a empresa Hazard E. Reeves criou uma solução alternativa: um sistema magnético de trilhas sonoras aplicadas diretamente sobre o filme. Esse novo método introduziu uma quarta faixa de som, permitindo um canal surround adicional. Como resultado, a proporção da imagem foi ajustada para 2.55:1.
Já em março de 1954, com o objetivo de expandir a adoção do CinemaScope para salas menores e drive-ins que não dispunham de equipamentos para som estereofônico, a Fox redesenhou o sistema. A modificação permitia o uso do CinemaScope em projetores convencionais, mas com uma nova redução na proporção da imagem, agora de 2.35:1, para acomodar o deslocamento causado pelas faixas magnéticas. A Walt Disney foi uma das primeiras empresas a adotar a tecnologia licenciada, e lançou 20.000 Léguas Submarinas, um dos primeiros grandes épicos de ação produzidos no formato.
Apesar da popularidade crescente do processo, havia certa cautela quanto à sua longevidade. Por isso, diversos filmes foram filmados simultaneamente com lentes anamórficas e convencionais. A Fox, embora tivesse inicialmente prometido usar o CinemaScope em todas as suas produções, acabou reservando o formato para seus lançamentos mais importantes, enquanto continuava a usar lentes padrão nas produções de menor orçamento e em preto e branco.
O Cenário
O CinemaScope surgiu como uma resposta às inovações do Cinerama e do cinema 3D, que começavam a atrair o público com propostas mais imersivas. Embora o Cinerama, com seu sistema de múltiplas câmeras e projeções, tenha mantido seu nicho, o 3D sofreu um forte impacto com a chegada do CinemaScope.
A promessa de um “milagre visual sem óculos”, amplamente divulgada nas campanhas publicitárias da Fox, minou o apelo do 3D. Problemas técnicos na exibição tridimensional acabaram contribuindo para seu declínio, e muitos atribuíram essa queda diretamente ao avanço do CinemaScope.
Paralelamente, uma técnica chamada simplesmente de "widescreen" começou a se popularizar em abril de 1953. Ela consistia em utilizar um filme de proporção 1.37:1, mas projetá-lo em formato mais amplo por meio de uma máscara que recortava a imagem na projeção, estendendo sua largura.
Rapidamente, essa solução se tornou padrão em Hollywood. A Paramount, ciente do sucesso iminente do CinemaScope da Fox, passou a aplicar esse recurso em suas produções, inclusive em Shane, mesmo que o longa não tivesse sido concebido originalmente para esse formato.
O princípio óptico fundamental do CinemaScope, o uso de lentes anamórficas, não podia ser patenteado, pois seu conceito já era de conhecimento público há séculos. Um exemplo histórico da aplicação dessa técnica óptica pode ser visto na pintura Os Embaixadores (1533), de Hans Holbein, que utiliza distorção anamórfica como efeito visual. Diante disso, diversos estúdios preferiram desenvolver sistemas próprios de projeção anamórfica ao invés de pagar os direitos de uso da tecnologia à Fox.
Para acompanhar as demandas por maior qualidade e fidelidade visual no formato widescreen, a Paramount desenvolveu o VistaVision, um sistema óptico que oferecia resolução aprimorada, utilizando o filme de 35mm na horizontal, em vez da tradicional orientação vertical. Contudo, o VistaVision foi rapidamente superado por avanços tecnológicos e deixou de ser utilizado no final da década de 1950.
Na Europa e em outras partes do mundo, estúdios adotaram sistemas anamórficos muito similares ao CinemaScope em termos técnicos, mas com nomes diferentes para evitar conflitos legais com a Fox. Surgiram então variações como Euroscope, Franscope e Naturama, este último utilizado pela Republic Pictures. A Warner Bros., que inicialmente planejava lançar seu próprio sistema chamado Warnerscope, optou por licenciar diretamente o CinemaScope da Fox após seu estrondoso sucesso.
Falhas
Apesar do CinemaScope originalmente permitir uma impressionante proporção de imagem de 2.66:1, a introdução das faixas magnéticas para som acabou reduzindo esse formato para 2.55:1. No entanto, muitos exibidores ficaram descontentes com a exigência de atualizar seus equipamentos para acomodar três ou quatro canais de som. Cinemas menores e drive-ins, em especial, enfrentaram dificuldades técnicas e financeiras para implementar o sistema estereofônico.
Diante dessas limitações, a Fox decidiu flexibilizar sua política sonora: passou a lançar versões dos filmes com trilha sonora óptica mono, mais compatíveis com equipamentos comuns, mantendo o som multicanal apenas nos cinemas que optassem por esse diferencial. Essa mudança acarretou nova redução na largura da imagem projetada, ajustando a proporção para 2.35:1, que se tornou o padrão.
Outro desafio enfrentado foi o aumento da granulação e a perda de brilho na imagem causada pela ampliação horizontal típica do CinemaScope durante a projeção. Para contornar isso, a Fox investiu em formatos de filme maiores, como o 55 mm, utilizado em produções como Carrossel e O Rei e eu, de 1956. No entanto, os custos elevados fizeram com que esses filmes fossem, no fim, reduzidos novamente ao formato de 35 mm, mesmo mantendo a proporção visual de 2.55:1.
Com o tempo, o avanço na fabricação de lentes e na qualidade do material cinematográfico ajudou a mitigar significativamente os problemas de nitidez e luminosidade que afetavam as primeiras produções no formato.
Panavision
O CinemaScope marcou um dos primeiros passos rumo à experiência sonora imersiva no cinema, oferecendo um sistema de som surround pioneiro com quatro canais: esquerdo, central, direito e um canal traseiro mono, antecipando o que hoje conhecemos como Dolby Pro Logic.
Mas a concorrência chegou. No final de 1953, surgiu a Panavision, inicialmente voltada para a fabricação de adaptadores anamórficos destinados a projetores de cinema que exibiam filmes em CinemaScope. A empresa encontrou um nicho lucrativo ao suprir a crescente demanda por esse tipo de equipamento, que a Bausch & Lomb, parceira da Fox, não conseguia atender com a agilidade necessária. Com o objetivo de ampliar seu alcance para além das lentes de projeção, o fundador Robert Gottschalk investiu no desenvolvimento de lentes anamórficas para câmeras de filmagem.
A inovação da Panavision consistia em lentes que incorporavam dois elementos anamórficos rotativos sincronizados com o mecanismo de foco, garantindo uma taxa constante de compressão horizontal de 2x. Isso resolvia um dos principais problemas do CinemaScope: o alongamento visual excessivo nas bordas da imagem, especialmente em planos próximos.
Essa superioridade técnica logo atraiu a atenção dos estúdios de Hollywood, que passaram a adotar o sistema Panavision como alternativa mais eficaz e economicamente mais viável ao CinemaScope. Outro ponto decisivo foi o fato de a Panavision não estar atrelada a nenhum grande estúdio, ao contrário do CinemaScope, de propriedade da Twentieth Century Fox.
Com o tempo, até a própria Fox passou a substituir gradualmente o CinemaScope pelo Panavision. Em 1967, o estúdio encerrou definitivamente o uso de sua marca registrada com o lançamento do filme Flint: Perigo Supremo, uma comédia de espionagem estrelada por James Coburn, que ficou conhecida por ser a última produção da Fox rodada oficialmente em CinemaScope.