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PARIS, TEXAS (1984) - FILM REVIEW

 


Alguns filmes são absurdamente pessoais, por motivos óbvios: eles espelham algo de nossas vidas, que identificamos de alguma forma e nos apaixonamos por aquela história, sendo magnífica ou não. No caso de Paris, Texas, que é uma das minhas paixões, é uma obra-prima absoluta.

O personagem Travis (o já saudoso Harry Dean Stanton) é antológico. Uma representação não só do sonho americano falido, mas de todos nós, que nos entregamos a paixões e nos perdemos pelo caminho. No caso de Travis, foram 4 anos. Ele passou por um processo de desintoxicação amorosa, esquecendo até mesmo de suas raízes, perdido num caminho sem volta, sem destino.  Quando encontrado por seu irmão, aos poucos vai se recordando de sua vida. Até um filho ele escolheu esquecer, de tão profunda que foi a dor da perda de seu grande amor.


Assim, como Travis, o próprio título nos joga confusos numa história tão grandiosa, afinal, que nome é este de Paris, Texas que não faz sentido algum? Parece um título tão perdido quanto o personagem. Quando abordado pelo irmão Walt (Dean Stockwell), ele não o reconhece, mas também não oferece qualquer resistência em ir com ele, o que demonstra que Travis não tem qualquer objetivo com sua jornada. Seguia seu caminho como uma folha ao vento, esperando ele escolher seu destino.

E talvez não haja um compositor mais perfeito para entender a jornada de Travis que Ry Cooder. Ele dá a ela identidade. A torna única. Faz-nos viajar com ele. Não duvido que Hans Zimmer tenha se inspirado nesta trilha para compor Thelma & Louise. Há vários pontos similares dos temas, além de serem road movies. A fotografia de Robby Müller é um primor. Uma profusão de cores de encher os olhos. Parece que a cidade por onde ele passa ganha mais cores, mais detalhes, mais personalidade. Quando vemos o verde dominante, o fotógrafo nos apresenta algum sinal de esperança, destino.

Capinha do VHS da época que assisti à primeira (de muitas vezes) o filme.

As filmagens começaram em 1983, enquanto o roteiro ainda estava incompleto, com o objetivo de filmar na ordem da história. O escritor Sam Shepard planejava basear o resto da história na compreensão dos personagens e nas observações dos atores. No entanto, quando Shepard foi para outro trabalho, ele enviou ao diretor Wim Wenders notas sobre como o roteiro deveria terminar. Ele creditou a Wenders e o co-roteirista LM Kit Carson a ideia de um peep show (quando uma pessoa paga para ver outra pessoa praticando algum tipo de ato sexual, através de algo, como um vidro ou buraco na parede. Ou seja, um show Voyeur) e os atos finais da história. De acordo com Dean Stockwell, seu personagem nos primeiros rascunhos pretendia viajar com Hunter, Travis e Anne antes de Anne voltar para Los Angeles e Walt se perder no deserto, paralelamente a Travis na primeira cena.

Travis, que não fala nada até 26 minutos, finalmente acena para o que seria seu objetivo (dai seu silêncio até neste momento). Paris... mas não é a que conhecemos, na França. Esta Paris de Travis fica no Texas.  Eles tentam ir de avião para casa, mas como é um road movie, já sabemos que vai dar errado. Porém, durante a cena no aeroporto, o personagem de Dean Stockwell está ao telefone com sua esposa. A locutora do Aeroporto anuncia: "Uma mensagem para Joy Stockwell, Joy Stockwell. Austin chegará a qualquer momento". Joy era a esposa de Dean e Austin, seu filho, nasceu durante a produção deste filme...


A partir deste momento, descobrimos que Travis comprou um terreno vazio em Paris, Texas, e quer ir para lá. Talvez uma mensagem do seu subconsciente de autopreservação. Ir a um lugar desconhecido para recomeçar. Deixar sua vida para trás, junto com suas decepções, frustrações e fracassos. Acho que todos nós procuramos nossa Paris, Texas. Para Travis, Paris, Texas é um recomeço quase literal, por seus pais fizeram amor a primeira vez naquele lugar e ele acredita que foi concebido lá. E por isto é tão importante e de forma tão singular. Paris, Texas é o botão de reiniciar de Travis, depois que seu sistema travou.

Na trama, somos pontuados por cores frequentes: verde, vermelho e azul. O verde simboliza esperança, visibilidade do caminho. Vermelho, que nele há tensões, ansiedades, mas também a chama que mantém vivo o desejo, e os sentimentos de amor e paixão. O azul, monotonia, depressão, mas também tranquilidade. Aos poucos, somos apresentados a um homem que outrora era feliz, mas que não soube lidar com suas cicatrizes de forma mais racional. Também pudera se tratava de Nastassja Kinski no auge de sua beleza e 32 anos mais nova que Harry Dean.


O vermelho persegue Travis das formas mais incomuns. A mais marcante talvez seja a cena inicial, onde ele está um maltrapilho, com roupas absolutamente sóbrias, mas com um boné vermelho. Desde a primeira cena, somos informados que há um ser humano ali, apaixonado e que sofre por este amor, genialmente mostrado pela sua vestimenta. Algumas cenas são pontuadas por chuvas, que remontam a tristeza interior do personagem, que no final das contas, é o sentimento que está em destaque.

Preste atenção nas cores vermelhas usadas por Travis e o filho Hunter. Como elas vão aumentando e se aproximando conforme os personagens se reconhecem e entendem o amor que sentem um pelo outro. A união vai ocorrendo pelo figurino. É genial. Quando Travis decide ir ao encontro de Jane, ele vai antes conversar com o irmão. Observe o outdoor. Uma figura de uma mulher sendo montada. Da mesma forma, a figura de Jane em suas memórias vai tomando uma nova forma, diferente da forma previamente apresentada pelo nostálgico vídeo que reportava aos melhores momentos da vida do casal. Ele quer ali cortar os laços com o passado e ser uma nova pessoa. Não à toa, há uma propaganda da empresa "Sharp" em destaque. A palavra significa cortante, afiado. É um aceno de que Travis começa a se reencontrar.


Com aproximadamente 1 hora e 18 minutos, Travis e Huntes estão usando vermelho. É o momento máximo do reconhecimento do amor de ambos. Ali, identificamos um pai e um filho. Observe as cores da estrada. O caminho que percorrem. Parece normal, como qualquer outro filme. É o ponto em que o PC de ambos foi reiniciado. Para então o encontro finalmente acontecer. Primeiro de forma unilateral. Travis conhece o novo trabalho de Jane e conversa com ela, tentando entender um pouco do que os levaram até aquele ponto. Repare com as cores são vívidas, há vermelho por toda a parte.


Não da parte de Jane, mas como Travis projeta seu amor através de lembranças passadas. Sua arguição e consequente repulsa de Jane transcende o momento e nos leva para o locar onde a relação dos dois parou: em meio a discussões e incompreensões.

No segundo encontro, a cena mais magnifica do filme e seguramente um dos momentos mais antológicos do cinema. Travis decide confrontar o passado e consequentemente Jane. Repare na cena em que Hunter escuta o áudio que o pai grava. Vemos pouco vermelho na cena.



Ela é cinza, sombria. Já Jane e Travis se encontram de preto. Em certo momento do genial diálogo (monólogo boa parte), Jane pergunta (sem ainda saber que é a pessoa do outro lado do vidro) se ele não era a mesma pessoa que havia conversado com ela dias antes. Ele responde "não". Forma sutil de dizer que uma mudança drástica aconteceu no subconsciente do personagem. Travis finalmente deixou sua Jane partir.

Jane vai ao apartamento encontrar o filho (vários acenos vermelhos são feitos no local mostrando que há amor ali para ser redescoberto), enquanto Travis, agora com tons verdes dominando (cena do estacionamento), segue o novo caminho longe da família que tanto projetou suas energias. E seu último close, com um estranho vermelho pulverizando o ar ao seu redor, mostra que a superação é possível, mas a cicatriz sempre restará.




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