A GAROTA SOMBRIA CAMINHA PELA NOITE (2014) - FILM REVIEW
O filme já começa com um aceno interessante do que está por vir. Um rapaz passa por uma ponte, com um gato, e quando cruza uma vala enorme, cheio de corpos, o título da obra ganha a tela: Garota Sombria Caminha pela Noite.
A produção de 2014, dirigida por Ana Lily Amirpour, é uma das grandes pérolas do cinema do horror desta década. O filme conta a história de uma cidade iraniana abandonada e sem leis, onde vivem diversos traficantes e prostitutas. Enquanto Arash (Arash Marandi) luta para sobreviver e para afastar o próprio pai do vício em drogas, a Garota (Sheila Vand) perambula pelas noites, com um segredo: ela é uma vampira, e mata seres solitários para saciar a sede de sangue. Quando os dois se encontram, as suas vidas se transformam.
Quase um Neo Noir (só que com uma mulher fatal no sentido literal), o filme é soberbo. Filmado em preto e branco, uma forma recorrente de proporcionar ao telespectador uma visão mais impactante e menos gráfica da trama. Este recurso é usado em muitas obras-primas do cinema e na maioria das vezes é uma aposta segura dos produtores (as) / realizadores (as) quanto à certeza da qualidade da obra, afinal, muitos odeiam filmes em Preto & Branco e falam até de forma depreciativa, como se fosse uma involução produzir ou mesmo assistir a um filme assim.
O gênio Alfred Hitchcock foi uma destas mentes capazes de enxergar a grande virtude do Preto & Branco no resultado final e não à toa filmou Psicose no formato para não tirar o foco da tensão da trama. Imagine só assistir à sequência do chuveiro em cores? Mas isto foi nos anos 60. Muita coisa boa veio depois, como A Lista de Schindler, O Artista, Roma (repare como figuraram no Oscar).
Diretores de filmes recentes inclusive resolveram relançar obras de sucesso em P&B para o público ter a sensação de imersão na história. Dois exemplos são Mad Max: Estrada da Fúria e Parasita. A verdade é que as cores nos distraem por serem belas, chamativas, e a falta delas nos faz prestar mais a atenção em todo o resto.
A cidade onde se passa a história tem um nome bem clichê: Bad City, e apesar do filme ser iraniano, ele foi rodado em Taft, Califórnia (que se passar por Oriente Médio). Ela tem pouco mais de 10 mil habitantes e podemos dizer que é uma "roça americana". As gravações duraram 24 dias. Foi a primeira história de vampiro a ser ambientada em um cenário do Oriente Médio. A palavra "vampiro" nunca é dita, mas Drácula é mencionado.
Dos muitos cartazes acima da cama da Garota, três são instantaneamente reconhecíveis dos álbuns "Music of the Bee Gees", "Michael Jackson's Thriller" e "Madonna: The First Album". No entanto, enquanto o pôster do Bee Gees aparente autenticidade, nos outros dois, parece que impostores são os artistas. Isto pode ter sido feito deliberadamente, a fim de criar uma atmosfera perturbadora para o filme. Um cartaz menor, de uma menina segurando uma luz de Natal na frente dos olhos, é a própria diretora Ana Lily Amirpour.
A diretora flerta com a cultura pop americana já acenando para o que aconteceria a seguir: sua migração para o cinema americano. Ela fez o estranhíssimo filme "Amores Canibais" dois anos depois e está escalada para o remake de Risco Total (aquele com Stallone) e com o Jason Momoa como protagonista, que ela já havia trabalhado anteriormente.
A diretora aparece no filme interpretando Shirin, uma menina usando camiseta e maquiagem de esqueleto na festa. Embora chamada de "Shirin", nos créditos ela é listada como "Skeleton Partygirl" (garota esqueleto na festa, em tradução livre). Devido à sua semelhança com a atriz que faz A Garota (Sheila Vand), a diretora realizou as sequências de skate de longa distância. Amirpour é skatista há muito tempo.
Este universo continuou numa série de graphic novels com a arte de Michael DeWeese. Ele revela mais sobre A Garota e Bad City (veja na foto algumas imagens). A própria diretora participou ativamente do projeto. Na produção para o cinema (que já é um remake de um curta feito por ela mesma e que ganhou prêmio no Noor Iranian Film Festival), Amirpour propõe uma visão das várias maneiras que se pode enxergar um vampiro: que vai de serial killer a justiceiro, solitário a romântico... A sua própria relação amorosa chega as vias de fato sem sequer um toque para tanto.
Percebemos como a relação acontece sem que a vejamos da forma tradicional. Como se trata (alegoricamente) de uma cidade no Oriente Médio, a personagem quebra paradigmas. É feminista. Faz o que quer, como quer, quando quer, sem ser ameaçada. Perambula, seduz e até um beijo ela nega, afirmando ser má.
Percebemos como a relação acontece sem que a vejamos da forma tradicional. Como se trata (alegoricamente) de uma cidade no Oriente Médio, a personagem quebra paradigmas. É feminista. Faz o que quer, como quer, quando quer, sem ser ameaçada. Perambula, seduz e até um beijo ela nega, afirmando ser má.
Mas a proposta do filme (e da própria diretora, conforme numa entrevista) é fazer a personagem sair da solidão. Deixar aquele mundo solitário, individual, para o coletivo. Para o contato. E em tempos de pandemia por Covid19, esta intenção se tornou quase uma obsessão para todos. Mal sabia a diretora que cada um nós, nos tornaríamos uma "Garota", 6 anos depois, mas como uma sutil diferença: não vivemos para sempre e por tanto, não temos muito tempo a perder...
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