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EMBALOS DE SÁBADO À NOITE - REBOBINANDO O FILME


THATS 70'S SHOW

Alguns filmes ultrapassam os limites da telona e se tornam a marca de uma época. “Os Embalos de Sábado à Noite” pertence a esta seleta categoria, captando com eficiência o espírito da era “Disco” em Nova York, além de apresentar, através do personagem interpretado por John Travolta, um marcante drama adolescente. De quebra, a excepcional trilha sonora tornou-se icônica, assim como as cenas de dança na discoteca “2001”. Por tudo isto, o longa dirigido por John Badham entrou para a história como um símbolo da cultura pop dos anos 70.

Para compreender o fenômeno cultural “Os Embalos de Sábado à Noite” é primordial contextualizar seu lançamento. Após anos de escândalos políticos e participações em guerras, o pessimismo começou a abrir espaço para o escapismo entre os norte-americanos, que procuravam esquecer os problemas e encontrar prazer nas pistas de dança. Este movimento começou a se refletir também no cinema, que vivia os últimos suspiros da Nova Hollywood – um movimento repleto de (excelentes) filmes igualmente pessimistas – e passava a produzir filmes mais alegres, que funcionavam como uma espécie de fuga da realidade, culminando com o estrondoso sucesso da saga “Star Wars”. “Os Embalos de Sábado à Noite” não é necessariamente um filme alegre, pelo contrário, mas retrata com precisão este movimento iniciado em Nova York, em que jovens iam para boates apenas atrás de sexo, drogas e diversão, como forma de esquecer a dura realidade da vida e a falta de perspectiva para o futuro. Expondo o sexo e o uso de drogas com naturalidade, a narrativa encarna o espírito jovem e reflete o pensamento da época, ilustrando também problemas sociais das grandes metrópoles, por exemplo, através das brigas entre os amigos de Tony e os “latinos”.


STAYING ALIVE

Desde o início, o balanço do caminhar de Travolta, acompanhado de perto pelo close em seus pés, dá o tom e a importância da música na narrativa, afinal, é ela quem dita os sentimentos dos personagens. No dia-a-dia, Tony é frustrado no trabalho e discute com a família, mas quando veste suas camisas de poliéster e coloca seus sapatos lustrados cuidadosamente, ele parte para o único lugar onde é verdadeiramente feliz. Desta forma, a câmera do diretor John Badham narra uma verdadeira tragédia urbana, provocada pela vida difícil nas grandes cidades e pelos dilemas que jovens de bairros menos favorecidos normalmente enfrentam. Como Tony, alguns conseguem encarar esta fase e, com sorte e esforço, seguir em frente. Outros, como um de seus amigos, não. Balanceando bem a narrativa entre os empolgantes momentos na pista de dança e a conturbada vida do protagonista fora dela, o diretor emprega o tom correto ao longa, evidenciando o estado de espírito de Tony e seus amigos. Além disso, sua câmera nos coloca dentro da pista e capta muito bem a atmosfera da casa noturna, algo reforçado pela empolgante trilha sonora composta pelos Bee Gees (Barry Gibb, Maurice Gibb e Robin Gibb), junto com David Shire.


Além de capturar o espírito de seu tempo, “Os Embalos de Sábado à Noite” ainda faz algumas referências a grandes filmes do passado, como quando alguém diz que Tony se parece com Al Pacino e ele encara seu pôster de “Serpico” buscando semelhanças – destaque para o semblante feliz de Travolta ao repetir as palavras do assaltante de Pacino (“Attica! Attica!”) em “Um Dia de Cão”. E até mesmo o nome da discoteca que eles freqüentam é uma óbvia referência ao clássico de Kubrick “2001, uma odisseia no espaço”. Já o pôster de “Rocky, Um Lutador” pendurado na parede do quarto é uma nada elegante alfinetada em John G. Avildsen, que dirigiria “Os Embalos de Sábado à Noite”, não fossem os desentendimentos com Travolta. Por outro lado, a direção de arte acerta em muitos detalhes, criando uma Nova York suja, que reflete o submundo que aqueles jovens viviam.

Nas pistas de dança, a fotografia de Ralf D. Bode emprega muitas luzes e tons avermelhados, simbolizando a paixão que pulsa naqueles corações livres e ávidos por diversão sem compromisso. Além disso, destaca-se também a montagem fluída de David Rawlins, que emprega um ritmo empolgante ao acompanhar as excelentes músicas e os movimentos dos dançarinos. Repare ainda como o jantar da família Manero termina em poucos minutos, num exemplo claro do estilo de montagem dinâmica que estamos acostumados. Na narrativa, o jantar dura apenas dois minutos, mas não nos incomodamos com isso, pois sabemos que no universo diegético o jantar teve uma duração maior. Este dinamismo é essencial num filme voltado para o público jovem.

UM DIA DE CÃO

Uma refeição também escancara os problemas de Tony com sua família. “Só duas vezes me disseram que sou bom na vida!”, ele grita, demonstrando a insatisfação com a falta de apoio do pai. Por isso, quando seu irmão Frank larga a igreja, Tony se renova (“Não sou tão ruim assim”), numa crítica interessante ao peso dos estereótipos que criamos. Mulherengo, despojado e cativante, Travolta cria um personagem icônico, numa atuação bastante convincente. Tony é machista e preconceituoso, mas ainda assim gostamos dele, graças à atuação carismática de Travolta, que, com seu terno branco (figurinos de Patrizia von Brandestein), criou um símbolo da cultura pop daquela década. O ator se sai bem também nos momentos dramáticos, como na discussão com a mãe, em que ele se arrepende e pede desculpas após magoá-la. Pra completar, John Travolta dá um verdadeiro show nas pistas de dança, mostrando o resultado de meses de dedicação e treinamento com coreografias admiráveis.

Mas apesar do glamour e da fama que construiu nas pistas, Tony não era totalmente feliz, e isto fica evidente numa conversa com Stephanie, a bela dançarina interpretada por Karen Lynn Gorney, que abre os olhos do protagonista e, de quebra, expõe as diferenças sociais e culturais entre eles. Ela também vivia ali, no mesmo ambiente que Tony, mas queria mudar e estava batalhando pra isto. Ela queria crescer e amadurecer. Tony não sabia, mas ele também queria – e de fato Tony já tinha responsabilidades, trabalhava para ajudar a família e sentia que a fase de diversão não seria eterna (“A dança não vai durar pra sempre”, reflete). E é através de seu sentimento por Stephanie que Tony começa a mudar efetivamente, algo simbolizado sutilmente quando ele se enforca com uma roupa e, no plano seguinte, vemos a garota responsável por fisgar o rapaz. Ela seria o agente da mudança de Tony Manero.

WEST SIDE STORY

Manero era uma espécie de líder de uma turma de garotos ligados em dança, drogas e sexo, e também era alvo do desejo das garotas, algo simbolizado pela personagem Annette, interpretada por Donna Pescow. Rebeldes, eles andavam em cima de uma ponte na volta das noitadas, desafiando o perigo, numa atitude típica da juventude que deseja quebrar regras e mudar o mundo. Mas os anos passam, as coisas mudam e cada um reage a sua maneira diante das dificuldades da vida. Numa cena de forte impacto, um dos amigos de Tony se suicida após descobrir a gravidez da namorada, na mesma ponte que tanto lhes deu alegria. 

E com esta tragédia, pelo menos para Tony, aquele período chegava ao fim. Esta mesma ponte simboliza a trajetória de mudança do protagonista, que alcança o outro lado da margem e passa a enxergar a vida de outra maneira. Ao ficar bravo porque os latinos não ganharam o primeiro lugar no concurso de dança, Tony apenas confirma sua mudança. A vida rebelde, o preconceito e a vitória a qualquer custo ficaram para trás. O jovem amadureceu. E é justamente por acompanhar o amadurecimento de Tony de maneira tão interessante e intensa que “Os Embalos de Sábado à Noite” é mais do que um belo (e competente) musical.  É um dos filmes da minha vida e sou fanático por ele.

LEGADO

Ainda que tenha músicas empolgantes e cenas inesquecíveis nas pistas de dança, “Os Embalos de Sábado à Noite” se estabelece como um musical maior, que captou como poucos o espírito de seu tempo e ainda deixou uma mensagem marcante através do amadurecimento de seu protagonista. Todos nós passamos por esta fase na vida, onde tudo que queremos saber é onde será a próxima festa e com quem iremos nos divertir naquela noite. Com o passar dos anos, no entanto, esta diversão gradualmente dá lugar a outras preocupações, como a de constituir família e progredir como ser humano. Se você ainda é jovem, não se engane. Cedo ou tarde, este momento sempre chega, e pra todos nós.
E uma última observação: o termo "Maneiro" entoado nos quatro cantos do Rio de Jeniro, vem do personagem Tony Manero. Nada mais justo.



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