PETTER BAIESTORF - RESPONDE ÀS 7 PERGUNTAS CAPITAIS
Petter Baiestorf é um cineasta catarinense reconhecido como um dos pioneiros do cinema independente e experimental no Brasil, especialmente no gênero gore. Influenciado por nomes como John Waters e Jesus Franco, começou sua trajetória em 1988 colaborando com fanzines e, em 1992, fundou a Canibal Filmes com a proposta de produzir obras autorais e de baixo orçamento. Ao lado de Coffin Souza e do Grupo Canibal, desenvolveu a estética do Kanibaru Sinema, baseada na liberdade criativa e no uso de qualquer formato ou recurso disponível, conceito registrado no livro Manifesto Canibal.
Morador da cidade de Palmitos, no interior de Santa Catarina, Baiestorf é considerado um dos nomes mais proeminentes do cinema underground nacional. Seus filmes transgridem convenções narrativas e visuais, mesclando surrealismo, anarquia, crítica política, escatologia, sexo e violência gráfica. Desde 1993, já realizou mais de 100 produções, entre curtas, médias e longas-metragens, consolidando-se como figura essencial da produção marginal brasileira.
Vamos às 7 perguntas capitais:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema?
P.B.: Sempre fui fanático por cinema. Aos 8 anos conseguia entrar, com a cumplicidade de minha avó paterna, em sessões de cinema que exibiam filmes da Boca do Lixo, assim vi coisas como “O Último Cão de Guerra”, de Tony Viera, entre outras produções nacionais, geralmente os feijoadas westerns ou produções policiais.
Mas minha educação cinéfila começou pela TV, ainda na infância, e lá pelos 14 anos via VHS em locadoras de vídeo. Eu mesmo acabei comprando depois uma locadora que funcionou de 1992 até 2014. Sou colecionador de filmes obscuros, não sou adepto do cinema de grande orçamento.
Acho que atualmente devo ter uns 6 a 8 mil filmes em casa, a maioria em DVD original. Recentemente comecei a me desfazer de parte da minha coleção de VHS por precisar de dinheiro. Então por ter este fanatismo por cinema, lá por 1988 briguei com meu pai e, com raiva, falei que antes dos 18 anos eu estaria fazendo um filme.
Na época eu morava numa vila de 300 habitantes, ter este sonho num lugar assim parecia utópico demais para adultos, mas para um garoto de 14 anos isso não parecia impossível, já que por 1985, 1986 eu comecei a conhecer bandas punks e a filosofia “faça você mesmo”. No início dos anos 90 conheci alguns colegas de aula como E.B. Toniolli e Airton Bratz (que trabalham comigo até hoje) e comecei a matutar as reais possibilidades de realizar um longa em VHS para lançar “comercialmente” via fita VHS em shows de bandas punks.
Neste meio tempo também comecei a editar um fanzine de HQs de horror chamado “Arghhh” (que durou de 1992 até 2003, com 31 edições, algumas destas edições com 64 páginas) e isso me possibilitou tomar contato com todas as outras regiões do Brasil e isso abriu minha mente de uma maneira fantástica, com este intercambio de informações e troca de experiências. Em 1992 tentei fazer meu primeiro filme, era intitulado “Lixo Cerebral Vindo de Outro Espaço” e, por falta de recursos, tive que abandonar a produção no terceiro dia de filmagens, o que sobrou foi um copião de 20 minutos que até hoje tenho guardado.
Em 1993, tomado de raiva e fúria, melhor preparado e com mais amigos me apoiando (incluindo aí meu pai que passou a trabalhar em todas as minhas produções até o ano de sua morte, em 2009), rodei o “Criaturas Hediondas”, que conseguimos finalizar e lançar. A boa recepção que o filme teve na época deu energia à todos envolvidos no projeto e rodamos mais 2 filmes simultaneamente: “Açougueiros” e “Criaturas Hediondas 2”, ambos filmados e lançados em 1994.
Com um dinheiro entrando das vendas de fitas VHS destes 3 filmes quis experimentar fazer uma produção “maior” e bolei “O Monstro Legume do Espaço”, filmado e lançado em 1995 e que teve repercussão a nível nacional porque toda a mídia desta época falava a todo tempo sobre os trash movies e meu filme era um autêntico exemplar brasileiro surgido no momento certo. Depois disso foi só continuar produzindo, ora filmes mais experimentais, ora filmes eróticos e, por outras vezes, filmes de horror mais quadradinhos pra fazer entrar algum dinheiro.
2) Tyler Durden disse em Clube da Luta: "As coisas que você possui acabam possuindo você". Ser colecionador é algo que se encaixa neste conceito, já que você se torna escravo do colecionismo. Além dos filmes, coleciona CDs ou algo relacionado à 7ª arte?
P.B.: Sim, coleciono principalmente filmes. Música é importante pra minha vida, ouço músicas o dia inteiro e pesquiso sons obscuros, mas não chego a colecionar. Cheguei a colecionar quadrinhos (somente os títulos brasileiros de horror e sci-fi, tenho verdadeira aversão a super heróis e produções estilo DC ou Marvel), mas depois de um tempo troquei a coleção inteira por filmes obscuros europeus e japoneses com um português (isso foi uma era pré-internet).
Acabei ficando apenas com alguns títulos que tinha coleções completas, como a Spektro da editora Vecchi que foi a maior e melhor e mais fantástica publicação nacional, aliás, em 2001 lancei o longa-metragem “Raiva” onde um trio de bandidos rouba uma coleção de revistas “Spektro” (é minha coleção pessoal que aparece no filme).
M.V.: E sua loja vende estes tipos de artigos, o que é bem bacana.
Estou trabalhando com lobby cards, pôsteres de cinema, revistas de cinema, livros de cinema, literatura fantástica, bonecos, música underground, trilha sonoras, DVDs da Versátil e Brookfilms, DVDs fora de catálogo, quadrinhos, fotonovelas raras, e toda uma gama de outros produtos relacionados a este universo maravilhoso que é o cinema fantástico e as artes independentes.
Se você ficou curioso acesse nosso site de vendas: www.lojamondocult.com.br ou, se estiver em Porto Alegre, nos visite na loja física na Rua Riachuelo 1334, sala 106, Galeria São Marcos, centro. E, sempre lembrando, estamos com espaço pra artistas independentes, bandas, maquiadores e quem mais produzir arte fantástica, podemos ajudar a divulgar, vender e lançar seu produto. Também aceitamos coleções para venda consignada e compramos/trocamos material raro.
3) "Nossas vidas são definidas por oportunidades, mesmo as que perdemos.", diria Benjamin Button em seu filme. O caminho até o eventual sucesso não é fácil, principalmente na concorrida Indústria Cinematográfica. Conte como foi seu início de carreira.
P.B.: Nada foi planejado, apenas fui fazendo o que me dava na telha. Geralmente tenho uma tendência a querer fazer o contrário do que esperam de mim, então nunca crie expectativas quanto a minha arte. Após o meu episódio no “As Fábulas Negras”, que talvez seja meu único filme de horror autêntico, é bem possível que eu faça uma gorechanchada bem retardada e experimental.
Ou talvez eu faça um vídeo poema insuportável. Ou talvez nem faça mais nada. Talvez por isso eu nunca vá ter uma carreira de cinema dita “séria”, ou seja lá o que for entendido por “sério”. Estou mais interessado em me auto-agradar do que agradar os outros. Atualmente estou mais inclinado a trabalhar fazendo qualquer coisa em produções de cineastas iniciantes.
4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios." Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos." Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?
P.B.: Hum, não sei responder isso. Cada filme que fiz foi um desafio de algum modo, em cada um deles aprendi alguma coisa. A produção mais bacana que “comandei” foi a do filme “Zombio 2: Chimarrão Zombies”, foram 23 dias de filmagens com um orçamento extremamente minguado de 40 mil reais, mais de 72 pessoas trabalhando feito loucos, gente de 8 estados brasileiros amontoadas num sítio no interiorzão de Santa Catarina com todo tipo de loucura acontecendo durante as filmagens.
Foi lendário, hilário e caótico, mas conseguimos fazer uma gorechanchada como aquelas que a Boca do Lixo faria nos anos 80. Fiquei orgulhoso e feliz com a equipe maravilhosa que formei pra essa produção, gostaria muito de juntar novamente uma boa quantia de dinheiro e voltar a filmar com todo este pessoal.
5) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante?
P.B.: Eu gosto de todos os gêneros cinematográficos, de pornô extremo até Ninoca e Panda, passando por vídeo poesia e cinema experimental. Mas tem alguns filmes que me marcaram bastante e poderia colocá-los no topo de uma lista. “United Trash”, de Christoph Schlingensief é um deles. “UP!” de Russ Meyer é outro. “Sweet Movie” de Dusan Makavejev; “Yuke, Yuke, Nidome no Shojo” do Wakamatsu e “Holy Mountain” do Jodo são outros que posso destacar.
Tem cineastas que possuem toda uma obra com extrema importância para mim, tipo “John Waters”, em especial seu filme “Desperate Living” e Jesus Franco (não posso destacar nenhum filme porque absolutamente todos seus filmes são muito importantes pra mim). Pasolini, Buñuel e Fellini são outros cineastas que me mostraram que era possível fazer cinema.
E Lloyd Kaufman é uma grande inspiração por ter criado um modelo de distribuição/produção independente que realmente funciona. E por último destacaria o cineasta underground George Kuchar que fez uma série de curtas experimentais bregas que eu amo.
6) Fale um pouco sobre os seus próximos projetos.
P.B.: Não tenho nenhum projeto engatilhado neste momento. Por enquanto estou ocupado tentando fazer a Mondo Cult andar com suas próprias pernas. Assim que for possível quero rodar um pornô ou um musical, uma destas duas coisas sai. Se não for possível filmar em 2016 aproveito pra recarregar as baterias, aumentar minha fúria e depois, quando for possível, fazer algo que misture tudo num roteiro retardado. Tenho mais de 30 argumentos aguardando o momento de serem roteirizados e filmados. O problema mesmo só é grana (já que produzo de forma independente).
7) Ao olhar para sua trajetória, qual aprendizado considera mais valioso e gostaria de compartilhar?
P.B.: Não escutem ninguém, não tenham mestres. Sejam excêntricos abobalhados e não tenham medo de falhar. Se possível façam tudo da maneira errada. E façam apenas aquilo que seu coração mandar e nunca expliquem nada do que fizeram.
M.V.: Boa (risos). Obrigado pela atenção e sucesso.