CARRIE, A ESTRANHA (2019) - FILM REVIEW
Carrie.
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
O fim da sutileza.
Revendo Carrie, de Brian de Palma e logo após, a versão de 2013, constatei alguns pontos. Vivemos tempos em que as sutilezas do bom cinema são fortemente substituídos pelo realismo. E há prós e contras nessa diferença.
Carrie conta a história de Carrietta White (Chloë Grace Moretz), que sempre foi oprimida pela sua mãe, Margaret (Julianne Moore), uma fanática religiosa. Além dos maus tratos em casa, Carrie também sofre com o abuso das colegas de escola, que nunca compreenderam sua aparência nem seu comportamento. Ridicularizada por todos, aos poucos ela descobre que possui estranhos poderes telecinéticos, que se manifestam com força total durante sua festa de formatura.
Carrie não é uma afronta a nossa inteligência como foi Psicose de Gus Van Sant. Os atores são ótimos. Chloë Grace Moretz arrebenta desde Kickass - quebrando tudo. Julianne Moore é uma das maiores atrizes do cinema. E nomes como Judy Greer (Halloween) e Ansel Elgort (Em Ritmo de Fuga; Amor, Sublime Amor e A Culpa é das estrelas). Até a direção de Kimberly Peirce (Meninos Não Choram) confere credibilidade ao projeto.
Mas então com todas as peças no lugar, o que deu errado, do ponto de vista da crítica?
Primeiro, o efeito comparativo. Há um constante clima de urgência, condizente com os dias atuais. O banho de Carrie, que na primeira versão, tinha um clima poético, contrastando com o horror na cena seguinte, traçava um paralelo com a cena do baile. Já nessa versão, não há qualquer sutileza.
O segundo lugar, mais claro, fica com a construção das cenas. Brian de Palma e seu time, conseguiram criar uma identidade incrível em seus filmes, tornando-os melhores ainda. Da direção à edição, tudo é fantástico. Já nessa versão, há uma preocupação em não problematizar (como Brinquedo Assassino, a nova versão, que altera completamente o boneco).
Ela apenas atualiza, dando novos contornos com o bullying digital. A fúria de Carrie na cena final e a completa alienação da mãe, também tem mais força nessa releitura. Em compensação, roubam a sutileza da obra.
Ao usar seus poderes telecinéticos durante o clímax, Carrie move agressivamente os braços, usa gestos com as mãos e exibe reações faciais enfurecidas como um comando para seus poderes que é diferente de Carrie, A Estranha (1976) e Carrie, A Estranha (2002); nessas versões, ela permanece estoica, como se estivesse em transe, enquanto usa seus poderes.
Comparando os filmes, é perceptível que do ponto vista crítico, há uma diferença substancial, o que não invalida essa nova tentativa de conferir identidade a um remake. E nesse caso, a diretora falhou, mesmo tendo feito um produto consumível, que encontra seu público facilmente.
Estranha
Esta é a primeira adaptação para a tela em que Carrie é interpretada por uma adolescente de verdade. Chloë Grace Moretz tinha 15 anos durante as filmagens, enquanto Sissy Spacek e Angela Bettis, que interpretaram o papel em Carrie, A Estranha (1976) e Carrie, A Estranha (2002) respectivamente, tinham 25 e 28 anos quando interpretaram Carrie.
Chloë admitiu não ter assistido a nenhuma versão anterior de "Carrie". Ela decidiu não ver porque queria criar seu próprio toque na personagem e não tentar copiar Sissy Spacek ou Angela Bettis. Para prepará-la para o papel, a diretora Kimberly Peirce enviou Chloë a abrigos para sem-teto para conhecer pessoas que realmente viveram vidas difíceis.
Margaret White (Julianne Moore) é mostrada, em várias cenas, machucando-se ao se coçar profundamente ou ao bater com força a cabeça contra a parede. Ela está praticando Mortificação Corporal para expiar seus "pecados", que é um método extremo e desatualizado praticado por alguns cultos e grupos marginais católicos e cristãos, e algumas seitas de outras grandes religiões, onde eles se machucam fisicamente enquanto rezam.
Embora Kimberly Peirce tenha ficado orgulhosa de seu trabalho no filme, ela ficou desapontada porque a interferência do estúdio comprometeu sua visão original para o filme. Sua intenção era fazer uma adaptação mais fiel do romance e não tentar imitar a versão de 1976; no entanto, os executivos do estúdio a forçaram a cortar 40 minutos de filmagem e refazer várias cenas para tornar o filme um verdadeiro remake da versão de 1976.
Kimberly Peirce se inspirou na minissérie O Reino (1994), de Lars von Trier, para filmar uma cena em que a mãe está dando à luz. Segundo Peirce, os executivos ficaram nervosos com aquele momento porque queriam evitar ao máximo mostrar a parte íntima da mãe. Curiosamente, Stephen King adaptou O Reino, fazendo Kingdom Hospital, em 2004, ou seja, o multiverso kinginiano já é autossuficiente.
Ao rever a obra em 2023, já com todo background Marvel na minha bagagem, achei bem curiosa a semelhança da personagem com Wanda, a Feiticeira Escarlate, não só pelo final, mas pela similaridade de interpretação das atrizes, principalmente. E mais curiosa ainda que, a versão enfurecida de Wanda seja justamente no filme Doutor "Estranho" no multiverso (palavra que uso em todo post de Stephen King) da loucura.